No clímax de sua crucificação, Jesus clamou: “Pai,
perdoa-os! Porque eles não sabem o que fazem” (Lucas 23:34). Para os cristãos,
tal postura é a clara revelação de seu generoso perdão e sua profunda
misericórdia mesmo àqueles que contra ele conspiraram, prenderam-no,
julgaram-no, condenaram-no, maltrataram-no, humilharam-no, crucificaram-no e
deixaram-no na cruz a agonizar até o último suspiro inocente absorver os
derradeiros lances de ar.
Portanto, há neste mundo os que não sabem por que fazem e
mesmo assim fazem. Há também os que sinistramente unem tão diabolicamente os
dois verbos (fazer e saber) que nesta hora já modelam a essência e a aparência
da futura reforma tributária, cuja arquitetura final tende a expressar e
satisfazer os grandes interesses da minoria endinheirada.
Os que lideram o debate político-tributário-econômico falam
em “unificação e simplificação de impostos”, “redução da carga tributária e dos
custos”, “melhoria do ambiente de negócios”, “transparência ao consumidor”,
“neutralidade”, “fim da cumulatividade e disputas judiciais”,
“competitividade”, “crescimento econômico” e por aí vai.
As três propostas em tramitação no Congresso (a PEC 45, da
Câmara, a PEC 110, do Senado, e o texto do governo federal) podem ter diferenças
técnico-pontuais aqui e ali, mas suas ossaturas representam os interesses
invisíveis e silenciosos dos grupos sociais dominantes que, em sua grande
parte, são conservadores do status quo; defensores dos privilégios do passado,
do presente e do futuro; radicalmente dogmáticos no poder milagroso da “mão
invisível”; extremamente contrários e resistentes a qualquer mudança que altere
minimamente sua participação relativa na produção e apropriação da riqueza e
sua reprodução política no poder.
Enquanto protege a alta riqueza e as grandes propriedades da
justa taxação, o espírito tributário que vagueia em Brasília quer tirar dos
pobres para dar aos mais pobres. Como? O governo quer tirar parte do abono
salarial, cujo valor é de até um salário mínimo (R$ 1.045), pago aos
trabalhadores com carteira assinada, e tirar parte do salário-família, cujo
valor varia com a quantidade de filhos, e destiná-las ao chamado Renda Brasil;
não quer novos beneficiados ao seguro defeso (auxílio pago ao pescador durante
o período de reprodução dos peixes); quer elevar o imposto da cesta básica e
acabar com as deduções do Imposto de Renda (cuja tabela está desatualizada),
que atingirão os que pagam planos de saúde e escola particular.
A conta não deve ser jogada à mesa pobríssima da maioria
miserável que chora, mas no bolso da minoria milhardária que ri. Mantida,
porém, a essência injusta da tributação, os senhores da reforma tributária não
terão perdão, pois eles sabem o que fazem e para quem fazem.
*Eduardo Rocha é economista
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