O acordo com o Centrão custará R$ 5 bilhões ao Tesouro da
União, em plena pandemia, por causa das eleições municipais deste ano. Esse foi
o trato feito pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, com o presidente Jair
Bolsonaro, para manter o “teto de gastos” e, ao mesmo tempo, atender à demanda
de investimentos em obras dos parlamentares do Centrão, que se articulam com os
ministros da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e do Desenvolvimento
Regional, Rogério Marinho, e os militares do Palácio do Planalto, entre os
quais o general Luiz Ramos, secretário de Governo. A pressão decorre das
demandas de prefeitos e vereadores que apoiam os parlamentares que agora
integram o esquema de sustentação política de Bolsonaro no Congresso.
O velho toma lá, dá cá renasce das cinzas a cada eleição
municipal. O acordo foi sacramentado na reunião de Bolsonaro com Guedes, os
ministros e os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), além dos senadores Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do
governo no Senado, e Eduardo Braga (AM), líder do MDB; e os deputados Arthur
Lira (AL), líder do Progressistas, e Ricardo Barros (Progressistas-PR), novo
líder do governo na Câmara. Todas raposas felpudas do Congresso, profissionais
da política que conhecem o caminho das pedras das verbas federais e as
articulações parlamentares que miram as eleições municipais.
Em princípio, o tsunami que ocorreu nas eleições passadas
pode até não se repetir, mas mesmo que venha a ocorrer nas municipais,
sobretudo nas grandes cidades, não será com o protagonismo do presidente.
Bolsonaro voltou ao leito natural em que sempre atuou ao longo da carreira
parlamentar: a defesa de interesses corporativos e as alianças com
parlamentares das bancadas evangélica, ruralista e da bala, além do baixo
clero. Não se deve subestimar, também, a lógica própria das eleições
municipais. As disputas locais, desde a primeira eleição, na antiga comarca de
São Vicente, em São Paulo, em 1532, sempre foram muito “fulanizadas” e
polarizadas em função do controle das respectivas prefeituras. Entretanto,
estabelecem as bases para a eleição ou não da maioria dos deputados estaduais,
federais e senadores.
A vida de Guedes não será fácil, pois cumprir o acordo
significa remanejar recursos do orçamento deste ano, cujo deficit deve chegar a
R$ 800 bilhões, devido aos gastos emergenciais com a pandemia. R$ 5 milhões,
porém, são café pequeno em comparação às verbas de investimento que os
ministros “gastadores”, como são chamados na equipe econômica, exigem para o
programa de investimentos para o ano de 2021: R$ 35 bilhões. De onde virá esse
dinheiro? Até agora ninguém sabe, porque a proposta da nova Lei de Diretrizes
Orçamentárias ainda não foi apresentada. Ou seja, teremos ainda grandes emoções
pela frente nessa queda de braço de Guedes com os ministros Tarcísio de Freitas
e Rogério Marinho, apoiados pelos militares.
Arapongagem
A maioria do Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento
realizado ontem, resolveu pôr limites à arapongagem no governo Bolsonaro. Com
base em relatório da ministra Cármem Lúcia, decidiu que o fornecimento de
informações por órgãos do governo à Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
só seja feito com motivação específica e levando em conta o interesse público.
Os ministros julgaram ação apresentada pela Rede Sustentabilidade e pelo
Partido Socialista Brasileiro (PSB). As legendas questionavam o fornecimento à
Abin de dados fiscais, bancários, telefônicos e informações de inquéritos
policiais ou da base de dados da Receita Federal e do Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf), atual Unidade de Inteligência Fiscal (UIF), sem
autorização judicial. A decisão deve influenciar o julgamento, no próximo dia
19, do caso do dossiê de servidores antifascistas elaborado pelo setor de
inteligência do Ministério da Justiça, que extrapolou suas funções.
Na prática, a decisão barra a formação de um Sistema
Brasileiro de Inteligência nos moldes do antigo Serviço Nacional de Informações
(SNI) do regime militar, que seria composto por 42 órgãos de ministérios e
instituições federais, de áreas como segurança, Forças Armadas, saúde,
transportes, telecomunicações, fazenda e meio ambiente —, todos centralizados
pela Abin. Bolsonaro, por decreto, havia aumentado o poder da agência em obter
dados de cidadãos e de investigações. Segundo a ministra, relatora da ação, o
compartilhamento de dados com a Abin tem de ser feito obedecendo ao que prevê a
Constituição, que veda o acesso a informações sigilosas. A ministra afirmou que
a “arapongagem (para usar uma expressão vulgar, mas que agora está em
dicionário: ‘aquele que ilicitamente comete atividade de grampos’) é crime”.
Foi acompanhada pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux,
Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Rosa Weber e Alexandre de Moraes. Marco Aurélio
votou contra.
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