Em tom solene, o presidente Jair Bolsonaro fez anteontem um
rápido pronunciamento para dizer que seu governo respeita o teto de gastos e
está comprometido com a responsabilidade fiscal. Malgrado o fato óbvio de que a
obediência tanto ao limite constitucional para o crescimento das despesas
públicas como às leis que demandam o equilíbrio das contas nacionais não é mais
que obrigação do presidente, trata-se de uma declaração de princípios que vem
em muito boa hora.
Para conferir ares de compromisso sério, o presidente deu as
declarações ao lado dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, David
Alcolumbre, e do ministro da Economia, Paulo Guedes. Bolsonaro havia se reunido
com todos eles ao final de um dia tumultuado, sob o impacto da notícia de que dois
dos principais assessores do ministro Paulo Guedes haviam pedido demissão
alegando frustração com o ritmo das reformas e das privatizações.
Estava claro que Bolsonaro foi obrigado a dar uma satisfação
em primeiro lugar não aos cidadãos, mas a seu ministro da Economia. No dia
anterior, Paulo Guedes havia dito que o presidente corria risco de impeachment
caso insistisse na trilha da irresponsabilidade fiscal, defendida, segundo o
ministro da Economia, por colegas da Esplanada os quais apelidou de “ministros
fura-teto” – isto é, que insistem na expansão dos gastos públicos, por meio de
dribles no teto, para realizar obras de infraestrutura com o objetivo de
impulsionar a economia e, por tabela, melhorar o capital eleitoral do
presidente.
Desde a campanha eleitoral, a presença de Paulo Guedes ao
lado de Bolsonaro conferiu verniz liberal e reformista a um político desde
sempre identificado com o estatismo. Para quem acreditou nisso, Bolsonaro, que
admitia nada entender de economia, daria carta branca para que Paulo Guedes
realizasse seus projetos de reformulação do Estado – havia a promessa de
realizar uma profunda reforma tributária, de reduzir drasticamente a máquina
pública e de levantar nada menos que R$ 1 trilhão em privatizações.
Como se sabe, nada disso aconteceu até agora, e não há
nenhuma perspectiva de que venha a acontecer num futuro previsível, por
basicamente dois motivos: primeiro, porque tal agenda demanda uma formidável
base parlamentar, que Bolsonaro nunca teve e jamais se empenhou em ter; e segundo,
porque o presidente não demonstrou genuíno interesse em comprar as brigas que
Paulo Guedes queria criar.
Para piorar, a natureza de Bolsonaro começou a falar mais
alto, e o presidente passou a dar sinais ambíguos sobre as reformas e as
privatizações, além de tomar gosto pela demagogia dos programas de
transferência de renda e de animar-se com o tal plano de obras duramente
criticado por Paulo Guedes. Ao mesmo tempo, em troca dos votos necessários para
se manter no cargo ante a múltipla crise causada pela pandemia de covid-19 e
pelos misteriosos negócios envolvendo seu clã, o presidente associou-se a
partidos acostumados a ganhar cargos em estatais e, portanto, refratários à
redução do Estado.
Agora, até mesmo o importante cargo de líder do governo na
Câmara foi entregue por Bolsonaro a um legítimo representante desse grupo, o
experiente deputado Ricardo Barros (PP-PR), que exerceu funções em outros
governos. Há pouco menos de um ano, esse mesmo deputado, ao cobrar cargos do
governo em troca de apoio à reforma da Previdência, disse que “se precisar
demitir o presidente nós demitimos, ele não pode demitir o Congresso” e que “a
palavra final é nossa, ele é que tem que querer estar de bem conosco”.
Se por um lado agora está “de bem” com o deputado Barros e
seus colegas na Câmara, o presidente sabe que precisa ficar “de bem” com seu
ministro da Economia, o principal avalista de seu governo com os investidores.
A promessa de se manter na linha da responsabilidade fiscal foi um gesto nessa
direção. Resta saber se o compromisso não será rompido assim que os ministros
“fura-teto” encontrarem uma maneira criativa de dar a Bolsonaro os trunfos
populistas que ele tanto deseja para se reeleger.
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