O país parece próximo de reafirmar ou abandonar uma escolha
crucial. Enquanto sua dívida dispara com as providências essenciais para
mitigar o impacto da pandemia, o governo
flerta com a ruptura do teto para os gastos públicos inscrito na
Constituição.
Ao minar a credibilidade da principal referência de controle
das contas públicas, o presidente Jair Bolsonaro pensa menos no país e mais em
sua reeleição —e, até nisso, de forma equivocada.
Na última semana, apesar das juras de fidelidade ao ministro
Paulo Guedes, da Economia, deu voz à ala dita desenvolvimentista do governo,
apontando a necessidade de investimentos. Apelou até ao patriotismo dos mercados,
sempre o último recurso dos gastadores.
O presidente revela má compreensão do impacto da emenda
constitucional 95, que restringiu a expansão das despesas federais à variação
da inflação até 2026.
A regra teve impacto positivo na economia. Ao sinalizar um
ajuste orçamentário de longo prazo, que dependeria também de outras reformas,
viabilizou uma queda recorde dos juros e dos custos de rolagem da dívida
pública.
O objetivo do dispositivo vai muito além disso, porém. O
teto acaba por impor ao Congresso um debate mais sério sobre prioridades, em
vez da distribuição de benesses sem qualquer controle, bancadas pela
coletividade com impostos crescentes ou endividamento.
Abandonar o limite, sem mais, elevará juros e trará
instabilidade financeira. Abrirá, de imediato, a corrida por mais benefícios a
grupos de interesse e ao topo da pirâmide de renda, a começar pelos salários da
elite do funcionalismo.
O engano mais flagrante está em crer que é o mecanismo
constitucional o obstáculo ao aumento de dispêndios mais ou menos virtuosos. A
barreira real, infelizmente, é o patamar insustentável do déficit e da dívida
do Estado.
Ao contrário do que prega a retórica demagógica, o teto pode
ser instrumento para dar voz aos mais pobres. Foi antes de sua vigência,
afinal, que a desigualdade de acesso ao Orçamento foi formatada.
Bolsonaro disse que o teto está fixo, mas o piso cresce continuamente, o que é verdadeiro. A receita correta, então, consiste em estabilizar o piso por meio de reformas que contenham o crescimento das despesas obrigatórias.
Bolsonaro disse que o teto está fixo, mas o piso cresce continuamente, o que é verdadeiro. A receita correta, então, consiste em estabilizar o piso por meio de reformas que contenham o crescimento das despesas obrigatórias.
A proposta de emenda constitucional 186, em tramitação no
Congresso, prevê, em caso de descontrole fiscal, cortes de até 25% na jornada e
nos salários dos servidores e redução progressiva de subsídios, entre outros
ajustes.
O debate sobre o Orçamento de 2021 neste segundo semestre
evidenciará o caminho que será trilhado —erodir as paredes que sustentam o teto
ou abraçar reformas que de fato levarão o país a uma posição de maior
segurança, com crescimento e justiça social.
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