É falso o dilema sobre Jair Bolsonaro ser ou não ser
liberal. Ele nunca foi, não é e nunca será liberal, aliás, em nenhum sentido.
Ao contrário, é um típico populista, além de corporativista e estatizante como
os filhos, a grande maioria dos ministros e os militares do governo. Quanto
mais 2022 vai chegando, mais essa essência vai se evidenciando e menos o
governo se preocupa em dissimular.
Na atribulada travessia entre 2018 e 2022, Bolsonaro joga ao
mar Sérgio Moro e o combate à corrupção; o PSL, os aliados neófitos e o
discurso contra a “velha política”; as manifestações golpistas contra Supremo e
Congresso; as funções maçantes de presidente da República. Por que não jogar ao
mar também Paulo Guedes, o teto de gastos e a promessa de enxugamento do Estado?
O candidato de 2018 foi um, o de 2022 é outro e vai saindo
do armário em 2019, 2020, 2021, mas, às vezes, é preciso disfarçar. Foi o que
ocorreu na quarta-feira, quando, reencarnando temporariamente a persona
presidente, Bolsonaro reuniu presidentes da Câmara e do Senado, ministros,
líderes e, tal qual Dom Pedro I, avisou: “Digam ao povo que fico, fico
liberal”. Faltou acrescentar: “Por enquanto”.
Bolsonaro e Guedes são como água e azeite. Um nacionalista
às antigas, outro globalista. Um pró-Estado gastador e empregador, outro
desestatizante, pró-iniciativa privada azeitada; um na linha de frente de
salários, vantagens e privilégios de militares, policiais e funcionários, outro
guerreando por uma administração que gaste menos e produza mais. O casamento foi
por interesse. Para Bolsonaro, o objetivo era vencer as eleições. Guedes tinha
o sonho genuíno de mudar o País, à sua maneira. A massificação de que era
preciso erradicar o PT da face da Terra selou o contrato.
Já no primeiro ano, Bolsonaro falhou com Moro ao atacar
Coaf, Receita e Polícia Federal, lavar as mãos para o pacote anticrime e
defender armas para todos, excludente de ilicitude, juiz de garantias. Mas o
presidente se manteve firme com Guedes até… passar a priorizar a reeleição. O
alerta piscou na segunda fase das reformas. Se não ajudou, Bolsonaro se
esforçou para atrapalhar o mínimo possível a da Previdência. Mas, na hora da
tributária, balançou. E, na administrativa, empacou. Ficou claro, para Guedes e
equipe, que o liberalismo de Bolsonaro tinha limite: as próximas urnas. Mexeu
nos votos dos servidores, mexeu comigo.
O momento crítico da “debandada” da Economia foi justamente
com a saída dos secretários de Privatização e de Desburocratização e Gestão,
duas áreas emblemáticas, mas freadas no Planalto. O grito de guerra de Guedes
foi ouvido longe: se Bolsonaro optar pelo populismo barato, implodir o teto de
gastos e sair comprando votos à custa da estabilidade fiscal, vai entrar numa
“zona sombria, numa zona do impeachment”.
Bolsonaro não entende que implodir as contas públicas atinge
ainda mais a economia e ameaça a própria reeleição. Ele tem seu exército (com
minúscula e com maiúscula) contra a política liberal, mas Guedes também tem o
seu: o setor privado e a cúpula do Congresso. Pelo menos até fevereiro, quando
mudam os presidentes.
A situação está no seguinte pé: Bolsonaro reafirmou seus
votos liberais e a crença no Posto Ipiranga, mas o passado condena e seu senso
de sobrevivência vai na direção oposta. O presidente se soma ao candidato para
fazer os cálculos entre a “zona do impeachment” e os riscos à reeleição, entre
manter o grande capital com Guedes ou atrair os grotões com o Centrão. É
questão de tempo ele optar ao tudo pela reeleição. O que significa jogar Guedes
ao mar, em companhia de Sérgio Moro. Será o fim do Jair Bolsonaro de 2018 e a
consolidação do Jair Bolsonaro de 2022.
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