segunda-feira, 17 de agosto de 2020

NOME AOS BOIS

Editorial Folha de S.Paulo
Para 43% dos eleitores, o presidente Jair Bolsonaro teve desempenho ruim ou péssimo na gestão da pandemia de Covid-19, segundo a mais recente pesquisa Datafolha. Entretanto nem tal juízo nem as atitudes e palavras do presidente durante a calamidade levam a maioria dos brasileiros a atribuir a ele a responsabilidade pela tragédia.
Conforme a sondagem, 47% consideram que o mandatário não tem culpa nenhuma pelo espalhamento da doença, que já havia resultado em quase 104 mil mortes no período das entrevistas. Outros 41% avaliam que ele é um dos culpados, mas não o principal; apenas 11% o apontam como o maior culpado.
A opinião dos brasileiros quanto à conduta do presidente na crise melhorou desde junho, quando a reprovação atingia 49%. Parece plausível que a reabertura de atividades e a relativa melhora da economia —que chegou ao fundo do poço em abril— tenham influenciado o humor nacional. Ainda assim, cabe ponderar os números.
A benevolência com as autoridades se estende aos governadores, que para 55% não são responsáveis pelo avanço do novo coronavírus.
Apesar disso, a maior parcela (49%) entende que o país não fez o necessário para evitar a escalada de mortes, enquanto só 22% adotam uma posição mais fatalista segundo a qual nada poderia ser feito para conter a Covid-19. Dar nome aos bois que não fizeram o necessário, porém, parece mais difícil.
Note-se também que a avaliação positiva de Bolsonaro é muito mais comum entre aqueles que menos adotam o distanciamento social, menos medo têm da doença e menos propensos estão a se vacinar.
Ainda mais relevantes, a confiança na sua palavra e a boa opinião sobre seu governo estão muito associadas à inclinação de não responsabilizá-lo. Entre os que sempre confiam no que diz o presidente, 86% consideram que ele não tem culpa nenhuma pelas mortes. O juízo, portanto, aparenta ser enviesado por inclinações políticas.
Não será difícil apontar objetivamente erros e omissões do governo federal no combate à pandemia, além de demonstrações pessoais da incúria de Bolsonaro.
Sem estratégia nacional definida, o mandatário lavou as mãos e se disse tolhido por uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de uma inverdade: a corte tão somente reconheceu a autonomia de estados e municípios na adoção de medidas sanitárias.
Não satisfeito, Bolsonaro demitiu dois ministros da Saúde e mantém um interino, sabotou os esforços de governadores e prefeitos, disseminou mentiras e desinformação sobre a doença e seu tratamento.
Ele próprio infectado, recuperou-se —felizmente— da doença e sobrevive ao impacto político da mortandade, cujos números ainda não mostram desaceleração.
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