Culto à personalidade. Estímulo à compreensão messiânica da
liderança. Forja de inimigos artificiais. Discurso autocrático, antiliberal e
anticomunista, de fé nacionalista, embocadura cristã e musculatura miliciana
para o confronto. Fetiche com a projeção fálica de uma intervenção militar.
Constituição de uma máquina panfletária para difundir teorias conspiratórias.
Críticas doutrinárias à democracia, propositalmente confundida com o
(criminalizado) establishment e entendida mesmo como empecilho; sendo
necessário — em nome de uma nova política — destruir os padrões viciados da
atividade político-partidária.
A que me refiro? Estarei incorrendo em repetição, mais uma
vez esmiuçando o caráter da revolução reacionária bolsonarista? Sim e não.
Sim; porque esses elementos compõem o sistema de crenças do
bolsonarismo, com sua pulsão de morte e a incapacidade de lidar com a liberdade
senão como condição para impor os próprios modos. E não; porque me dediquei a
listar somente estandartes do “Estado integral” segundo a doutrina do
integralismo — o maior movimento de extrema-direita da História do Brasil até
hoje, cuja influência tem assento no governo Bolsonaro e integra o pensamento
do dito grupo ideológico, que prefiro chamar de sectário, aquele, poderoso,
olavista, que toca a tal guerra contra o tal marxismo cultural.
Integralismo em 1932: algo novo — atraente para a juventude
— numa sociedade intolerante (pautada pelo autoritarismo de Vargas) e
amedrontada; o clima de medo (o perigo vermelho) impulsionando a adesão e o
financiamento ao movimento. O ideal “Deus, pátria e família” encarnado no chefe
nacional Plínio Salgado; o líder para o exercício do que seria uma democracia
orgânica — que prescindiria das intermediações da democracia representativa.
Bolsonarismo em 2018: algo novo — sedutor para os jovens —
numa sociedade intolerante (condicionada pelo espírito do tempo lavajatista) e
amedrontada; o clima de medo (o Foro de São Paulo à espreita) impulsionando a
adesão e o financiamento ao fenômeno. O slogan “Brasil acima de tudo, Deus
acima de todos” encarnado no mito Bolsonaro; aquele que fala diretamente ao
povo, líder para o exercício do que seria uma democracia plebiscitária — que
tornaria desnecessária qualquer mediação político-institucional.
Em 1969, o integralismo — obcecado pelo controle das
formações individuais — seria o agente político que implementaria a disciplina
de Educação Moral e Cívica no país. Em 2020, o integralismo domina — não à toa,
como base estratégica para a reconstituição de uma fantasiosa civilização
brasileira —o Ministério da Educação; e também a pasta dos Direitos Humanos.
O mais antigo alerta — ao menos para este escriba — sobre as
semelhanças entre o bolsonarismo e a tradição integralista foi do publicitário
Alexandre Borges, notável conhecedor da dinâmica política dos anos 1930, cuja
natureza autoritária desaguaria na ditadura do Estado Novo. Ele me chamava a
atenção para o caráter militarista do integralismo — aliás, muito aderente
entre militares — e para a importância, no esquema do movimento, da milícia
integralista, que conjugava serviço de informações e planejamento para
operações policiais; que, na prática, resultaram em ações armadas tanto quanto
nos fundamentos do que seria a Lei de Segurança Nacional.
Ainda no final de 2017, diante do fosso de oportunidades
aberto pela depressão política que nutria discursos que costuravam elogio à
autoridade e desprezo à atividade político-partidária, Borges informava que
estudar apenas a emergência do nacional-populismo nos EUA e na Europa, embora
necessário, não bastaria; e que seria mesmo preciso olhar para dentro, para a
história do integralismo, a experiência fascista brasileira, com seu ímpeto
para o golpismo, se quiséssemos compreender o conjunto de valores reacionários
— cultura enraizada em quase século — que anima e lastreia o bolsonarismo. (E
que não nos enganemos sobre a guinada circunstancial — com objetivo em 2022
—que leva Bolsonaro a uma quadra mais populista que autoritária.)
Há dois livros novos a respeito na praça. “O fascismo em
camisas verdes”, de Leandro Pereira Gonçalves e Odilon Caldeira Neto, publicado
pela FGV Editora. E, pela Planeta, “Fascismo à brasileira”, de Pedro Doria. São
trabalhos fundamentais, muito bem pesquisados (o de Doria, ademais, um
thriller), que tiram da estante do exotismo, como se passagem irrelevante de nossa
história, um movimento que — desde a década de 1930 — nunca deixou de estar
entre nós; muito articulado, por exemplo, tanto à TFP quanto aos skinheads
brasileiros, cujo tripé misoginia, racismo e homofobia é facilmente
identificado no DNA do que se convencionou chamar de nova direita no Brasil.
Duas obras que retratam o integralista como uma espécie de
soldado de Deus e da pátria, responsável pela construção de uma grande nação; o
que seria destino indesviável deste país. Não é uma fotografia de época.
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