Oposição fracassa na
criação de frente de esquerda contra Bolsonaro na eleição de 2020
“Não há unidade entre a esquerda. Cada um está cuidando da
sua própria vida.” O diagnóstico feito pelo presidente do Partido
Socialista Brasileiro (PSB), Carlos Siqueira, é uma síntese da
frustrada tentativa de seis legendas de se integrarem e unificarem os discursos
anti-Jair Bolsonaro nas eleições
municipais deste ano. Há cerca de três meses, esse grupo que tem feito
um trabalho quase uníssono no Congresso Nacional como oposição ao presidente
intensificou as conversas para dividirem os palanques nas 92 maiores cidades
brasileiras, que é onde há a possibilidade de haver segundo turno.
Nacionalmente, as negociações foram encerradas há duas semanas. “Temos
convergências de pensamentos, mas na hora da disputa eleitoral, encontramos
dificuldade nessa unidade”, avalia a presidenta do PCdoB, Luciana Santos.
Entre as razões estão a falta de interesse do Partido
dos Trabalhadores em abrir mão de sua hegemonia na oposição, disputas
políticas internas em cada município e a preocupação dos partidos menores em
ter uma base de sustentação para 2022, quando a cláusula de barreira, mecanismo
que traça uma quantidade mínima de votos para continuar existindo como legenda,
será elevada. As conversas estavam sendo feitas por dirigentes de PT, PSB, PDT,
PCdoB, PSOL e REDE.
Estimulado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
o principal antagonista de Jair
Bolsonaro, o PT decidiu que precisa ter o máximo de candidaturas possíveis
para poder se defender. “O PT precisa ter voz. Falar de seu legado, das
experiências que já teve nas gestões municipais, se defender dos ataques”, diz
a presidente da legenda, a deputada federal Gleisi Hoffmann. Nesta eleição,
deverá lançar candidatos em 1.531 dos 5.570 municípios brasileiros. Juntas,
essas cidades representam 60% da população nacional. Em 2016, último pleito
municipal, foram 993 cabeças de chapa. “O grande problema do PT é a cultura
hegemônica dele. O PT só pensa em seus candidatos”, reclamou o presidente
do PDT, Carlos Lupi.
Entre as 26 capitais onde as prefeituras estarão em disputa,
já há pré-candidaturas petistas encaminhadas em 23 delas. Há dúvidas sobre o
pleito em São Luís, capital do Estado comandado por Flavio Dino (PCdoB). E em
apenas duas capitais o partido concordou em se aliar a outros grupos: Belém com
Edmilson Rodrigues (PSOL) e Porto Alegre com Manuela
D’Ávila (PCdoB), que foi vice na chapa presidencial do partido em
2018.
Três casos locais servem para exemplificar as tentativas
frustradas de união. Em Recife, os diretórios estadual e municipal da legenda
decidiram se aliar com o PSB, que lançou a pré-candidatura
de João Campos. Mas a direção nacional interveio e determinou que o nome
deveria ser o de Marília Arraes, prima em segundo grau de Campos e que disputa
com ele o legado familiar deixado pelos ex-governadores Miguel Arraes e Eduardo
Campos. No Rio de Janeiro, os petistas estavam inclinados a se juntar à
candidatura de Marcelo Freixo (PSOL). Quando este desistiu de disputar por não
se sentir seguro com a almejada unidade da esquerda, três outras legendas
seguiram unidas (REDE, PSB e PDT), mas o PT lançou Benedita da Silva, ainda sem
apoio externo. E em São Paulo, os petistas lançaram Jilmar Tatto, apesar de
parte da base defender o apoio a Guilherme
Boulos (PSOL) ou a Orlando Silva (PCdoB). Em entrevista ao EL PAÍS nesta terça, Tatto avaliou como
natural a escolha do partido e disse que o primeiro turno serve justamente para
apresentar propostas, não impedindo união no teste das urnas final.
Nem mesmo em um dos casos “bem-sucedidos” de união citado
por Gleisi, ela se concretizou com toda a esquerda. Em Porto Alegre, o PSOL
anunciou a pré-candidatura de Fernanda Melchiona e o PDT, a de Juliana Brizola.
A REDE ainda avalia qual dessas duas últimas apoiará. “Desde 2013 as forças de
direita tentam fazer a desconstrução do PT, de preferência a anulação do
partido. Numa frente, é mais difícil fazer a defesa individualizada”, diz
Gleisi ao explicar o motivo pelo qual não deu sequência às conversas para a
formação de uma frente de esquerda. Ela reclama diretamente do processo
de impeachment
da ex-presidenta Dilma Rousseff, o chamando de golpe, e da prisão de Lula,
que trata como uma detenção política.
“No fim, acaba sendo aquela velha máxima. Nos momentos
decisivos para o país, o PT ficou sempre na contramão da história”, diz
Siqueira, do PSB. Ele cita os posicionamentos contrários dos petistas à
Constituinte de 1988, ao governo de integração promovido por Itamar Franco, em
1992, e à aprovação do Plano Real, em 1994. “Não cobramos nada do PT,
gostaríamos que entendessem da gravidade do momento e unificasse a esquerda”,
queixou-se Siqueira.
Sobre as críticas de que o PT prefere manter essa
característica hegemônica a defender a bandeira de toda esquerda, Gleisi diz
que as alianças encaminhadas nas duas capitais (Porto Alegre e Belém)
demonstram que o partido estaria aberto ao diálogo. E cita ainda a necessidade
de todas as legendas se reforçarem em 2020 para colher os frutos em 2022. “É a
oportunidade de reafirmar a sua legenda, de proteger-se. Não é o nosso caso,
mas têm partidos que podem sumir, caso não superem a cláusula de barreira”.
Na prática, esse mecanismo deverá reduzir a quantidade de
partidos políticos porque: 1 – só terá acesso ao fundo partidário e ao tempo de
TV as siglas que receberem 2% dos votos válidos nacionalmente para deputado
federal em um terço das unidades da federação, sendo um mínimo de 1% em cada
uma delas; ou 2 – tiverem elegido ao menos 11 deputados federais distribuídos
em nove unidades. “Com a proibição das coligações para vereadores e a elevada
cláusula de barreira é natural que os partidos tenham suas candidaturas para
afirmar seu lugar político, sua identidade e a defender a sua sobrevivência”,
avaliou a comunista Luciana Santos.
Repetição de 2018
Sem essa integração, há quem entenda que o PT insistirá na
polarização contra bolsonaristas como uma antessala de 2022. E o resultado pode
ser que, em duas ou três eleições seguidas, o cidadão acabe tendo de escolher
mais por exclusão do que por adesão a determinada ideia ou plataforma política.
“A polarização para o PT é muito boa. Bolsonaro e PT são um melhor amigo do
outro do ponto de vista de manter o status quo”, diz o cientista
político Leandro Consentino, professor do Insper. “Tanto o PT quanto Bolsonaro
enxergam um no outro o inimigo capaz de aglutinar suas hostes”, acrescenta o
cientista político Valdir Pucci, doutor pela Universidade de Brasília.
O porta-voz nacional da Rede, Pedro Ivo Batista, diz que o
ideal era haver uma união entre os partidos progressista já em um primeiro
turno. Mas, como as características de eleições municipais são distintas das
nacionais, quando os temas macros ficam em evidência, dificilmente isso
ocorrerá na grande maioria das cidades. “O Brasil nunca teve um governo
neofascista como esse. O ideal era unir mais para poder evitar esse perigo de
forças totalitárias. Corremos o risco de perdermos a eleição agora como
perdemos em 2018”, disse Batista.
Presidente do PSOL, Juliano Medeiros, discorda da tese de
que neste ano haverá uma prévia de 2022. Entende que servirá como um
termômetro, indicará tendências. “O fortalecimento da oposição e um
enfraquecimento eleitoral do bolsonarismo, por exemplo, não garantem a derrota da extrema direita em 2022, mas
aponta um cenário mais favorável para as forças populares”, analisa. Dos seis
dirigentes partidários consultados pela reportagem, apenas ele contemporizou a
divisão na esquerda. Disse, por exemplo, que é papel do PT tentar manter sua
hegemonia e das demais siglas progressistas de buscarem seus espaços, desde que
se mantenha o diálogo respeitoso. Disse ainda que a ideia de frente ampla tem
crescido aos poucos, já que não pode ser imposta de cima para baixo.
A expectativa entre os representantes desse campo político é
que a frustrada unificação no primeiro turno seja possível ocorrer na segunda
etapa da eleição. Resta saber o que ainda estará em disputa.
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