quinta-feira, 13 de agosto de 2020

"SE HOUVER FRACASSO, POVO VAI ATRIBUIR ÀS FORÇAS ARMADAS"

Carolina Freitas, Valor Econômico
SÃO PAULO – O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse considerar perigosa a ocupação de numerosos cargos do governo federal por militares, como acontece na gestão Jair Bolsonaro. Para o tucano, além de haver o risco de os integrantes das Forças Armadas gostarem do poder, a imagem da instituição fica indissociável do governo.
“O povo vai atribuir, se houver fracasso, às Forças Armadas, e não à política. É complicado, é perigoso”, afirmou ontem Fernando Henrique em palestra sobre geopolítica no Congresso WebHall, promovido pela Escola Paulista de Medicina, da Unifesp, e transmitido pela internet.
Levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), divulgado em julho, aponta que há 6.157 militares da ativa e da reserva em cargos civis no governo.
Fernando Henrique foi cauteloso ao responder sobre a possibilidade de uma ruptura da democracia no Brasil. “Sempre há risco”, disse. “Não acredito que haja um propósito neste momento de fazer uma ditadura, mas às vezes, sem propósito, as coisas acontecem.”
FHC disse perceber entre os militares um discurso de que precisam “salvar a pátria”. O ex-presidente explicou porque considera esse raciocínio um erro.
“Durante muitos anos que eu tive convívio com os militares, eles tinham mudado a percepção da sua própria capacidade de exercer o poder sem tomar em consideração os outros, pelo bem da pátria. Eles são patriotas em geral. Mas o problema não é eles serem patriotas ou não. É que a pátria é diversa, você tem que compor essa diversidade. Os militares tinham aprendido isso”, afirmou Fernando Henrique.
“Eu sinto que agora há uma tendência de novo a que alguns pensem que podem salvar a pátria. A pátria se salva sozinha. Nós temos que ter regras que permitam o funcionamento das divergências dentro de um contexto, respeitando regra, respeitando a Constituição, dando espaço pra todo mundo.”
O ex-presidente comentou brevemente a notícia, que veio à tona semana passada, de que o presidente Jair Bolsonaro teria decidido, mas acabou dissuadido, de intervir no Supremo Tribunal Federal (STF), em maio. “Os ministros do Supremo tomam uma decisão que interfere no outro Poder [Executivo], que fica irritado e tem reações que não são razoáveis: ‘Quero nomear novos nomes do Supremo!’ Isso aí já é o começo de uma conversa ruim.”
Fernando Henrique Cardoso classificou o presidente Jair Bolsonaro como alguém que não sabe o que acontece no mundo.
Ao comentar a rivalidade entre Estados Unidos e China, FHC afirmou que os países brigam por espaço para ter influência e relações comerciais, por exemplo, com países como o Brasil. “São decisões muito complicadas, que estão longe de ser a vida política brasileira. Você elege pessoas que parece que estão fora do mundo, que têm ideias anacrônicas. O presidente às vezes não tem que saber nada, tem que saber conduzir, mas é bom que saiba de algo que está acontecendo no mundo, que não tenha a visão tão fechada sobre certas questões.”
Bolsonaro busca alinhamento com os EUA, por meio de aproximação com o presidente americano Donald Trump. Declarações do presidente brasileiro e de ministros ofensivas à China causaram tensão com o país oriental.
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta participou do mesmo evento que FHC, em outro painel, e fez também críticas à militarização. Mandetta classificou o momento atual na Saúde como uma “grande noite” e um “apagar de luzes”. A pasta está sob comando de um interino, o general Eduardo Pazuello, sem experiência ou conhecimentos em saúde. “Com a militarização, vem a grande noite do Ministério da Saúde. Apagam-se as luzes. A primeira ação é esconder os números.”
De acordo com o ex-ministro, os “generais de plantão no Ministério da Saúde” obedecem à determinação política de Bolsonaro ao tentar tirar a responsabilidade do governo federal no combate à covid e deixar o ônus para Estados e municípios. “Calam-se frente ao enfrentamento da pandemia.”
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