Fernando Henrique Cardoso pode até não admitir, mas no fundo
deve estar arrependido por haver se empenhado tanto pela aprovação do princípio
da reeleição em 1997. Com o falso objetivo de consolidar o Plano Real, criou um
monstrengo que atrapalha governos e confunde eleitores. Por sua causa,
governantes em primeiro mandato trabalham principalmente para ganhar o segundo,
e os eleitores acabam sendo enganados ao julgar os mandatários com base em suas
“bondades”. Todos os presidentes foram reeleitos desde a aprovação da emenda,
mesmo os enrolados.
A primeira prova de que o princípio torna nebulosa a gestão
do postulante a um segundo mandato foi dada pelo próprio FH, que em 1998
segurou artificialmente o câmbio para não atrapalhar sua reeleição e, quando
teve de soltá-lo em janeiro do ano seguinte, causou um tsunami na economia. O
governante usa sem escrúpulos a máquina administrativa para se reeleger, mesmo
que disso resultem quebradeira de empresas e escalada do desemprego. E ainda há
um outro elemento que torna praticamente imbatível um presidente candidato, a
admiração incondicional do brasileiro médio por homens poderosos.
A reeleição de Lula é um caso já estudado e explica essas
premissas. O ex-presidente se valeu tanto da imagem de pai generoso quanto da
de gestor poderoso, que distribui dinheiro entre os mais necessitados. Dinheiro
público, claro. Lula estava envolvido até o pescoço no escândalo do mensalão,
embora tenha dito que “não sabia” das movimentações criminosas do deputado
cassado José Dirceu. O PT pagava a partidos e parlamentares pelo apoio que eles
davam ao governo. Mais uma vez, era dinheiro público que remunerava os aliados.
Um escândalo desse tamanho não foi o suficiente para impedir seu segundo mandato.
Dilma foi reeleita mesmo tendo feito um primeiro governo
antipolítica. A ex-presidente passou quatro anos torpedeando partidos,
especialmente o MDB do seu vice Michel Temer. Foi tão omissa que acabou
permitindo a eleição de seu algoz Eduardo Cunha para presidente da Câmara, no
início do segundo mandato. Na economia, expandiu gastos desordenadamente e
reduziu juros na marra, resultando no aumento da inflação e do desemprego. Em
janeiro de 2013, para combater o monstro que havia criado, pediu aos prefeitos
de Rio e São Paulo que não dessem aumento de ônibus. O preço represado da
passagem foi majorado em junho, e o que se viu em seguida virou história. Mesmo
assim, Dilma foi reeleita.
E então chegamos a Bolsonaro. O presidente colecionou erros
grosseiros nos seus primeiros 18 meses de governo. Os mais óbvios foram
menosprezar o Congresso, ultrajar o Supremo e incentivar manifestações
antidemocráticas. O país assistiu abismado àquela famosa reunião ministerial em
que Abraham Weintraub disse que, se dependesse dele, “prendia estes
vagabundos”, apontando para a Praça dos Três Poderes, “a começar pelo Supremo”.
Além disso, os filhos do presidente, sua mulher e suas ex-mulheres estão
envolvidos numa rede de gastos com dinheiro vivo de origem mal explicada, muito
provavelmente das rachadinhas praticadas por toda a família.
O presidente ainda ignorou agressões ao meio ambiente e
alertas globais. Mais adiante, fez pouco caso da epidemia de coronavírus,
debochou das mortes por ela causadas e gerenciou mal o combate. O grande
momento da sua presidência, e ainda assim dependendo do ângulo que se olhe, foi
a aprovação da reforma da Previdência. Mas, como ele não se mobilizou a seu
favor, a reforma deve ser atribuída ao Congresso. Seu único e verdadeiro mérito
foi ter se mantido calado nas últimas cinco semanas. Não poderia haver um
cenário pior para um presidente. E, mesmo assim, pesquisa revela que 38% dos
brasileiros querem reelegê-lo.
Para agravar o quadro, não há no horizonte sinal de
entendimento entre os diversos matizes da oposição. Lula caminha solitário à
esquerda. Moro bate cabeça à direita. O centro não tem vigor nem empatia. Você
pode dizer que é cedo, tudo bem. Mas, se não houver mudança radical nesse
cenário já, somente um terremoto poderá evitar a reeleição de Bolsonaro.
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