A debandada de Paulo Guedes do governo pode ser só uma
questão de tempo. Bolsonaro não teve peito para demitir Sergio Moro do
Ministério da Justiça, mas criou todas as condições para que ele saísse. Deverá
proceder da mesma forma com o seu ex-todo-poderoso ministro da Economia.
Guedes entende de economia, mas de política é Bolsonaro que
entende. Alguma coisa aprendeu em 30 anos como deputado. Após perder sete
auxiliares, Guedes alertou Bolsonaro para o risco de impeachment se não bancar
as reformas. Bolsonaro respondeu entregando ao Centrão o cargo de líder do
governo na Câmara.
Agrava-se a situação do clã Bolsonaro a cada nova descoberta
ou revelação feita pelo Ministério Público do Rio que o investiga por
corrupção. O sonho de Bolsonaro de se reeleger depende, no primeiro momento, de
afastar o risco de impeachment, e no momento seguinte, de conseguir o apoio de
partidos.
Bem que ele tentou atrair partidos para seu lado nas
eleições passadas, mas fracassou. Ninguém acreditou que ele pudesse vencer. Nem
ele mesmo acreditava. Foi a eleição mais atípica da história do país. O líder
das pesquisas estava preso e impedido de concorrer. A facada dispensou
Bolsonaro de fazer campanha.
Ou Guedes abre o cofre para ajudar a reeleger Bolsonaro, e
deixa as reformas para o segundo mandato dele, se segundo mandato houver, ou
pede as contas e passa o cargo a quem se dispuser a jogar o jogo que o
desagrada. No regime de governo do Brasil, não existe ministro insubstituível.
Quem manda é o presidente.
Foi só para ganhar tempo que Bolsonaro, ontem à noite,
encenou às portas do Palácio da Alvorada o ato de renovar seu compromisso com
as reformas do Estado, a privatização de empresas e a responsabilidade fiscal –
temas, por sinal, que jamais contaram com o seu voto para avançar no Congresso.
Bolsonaro, o liberal, é uma invenção de Guedes para
justificar sua adesão à candidatura dele em 2018. Durante a campanha, Guedes
chocou-se com a indiferença de Bolsonaro ao que ele tentava lhe ensinar sobre
economia. Foi em frente mesmo assim. Achou que, uma vez eleito, Bolsonaro se
tornaria dependente dele.
Palavras o vento leva. O vento levou a promessa de Bolsonaro
de não se candidatar à reeleição. Levou a promessa de combater a corrupção sem
vacilo. Levou a promessa de não trocar cargos no governo por votos no
Congresso. E levou a promessa de comportar-se como o presidente de todos os
brasileiros.
Os militares que o cercam disseram-lhe para não se livrar de
Moro porque seu governo poderia acabar. Moro saiu, forçado que foi. Nem o
governo acabou, nem Bolsonaro perdeu popularidade. Os militares dizem agora a
ele que a receita de Guedes pode torná-lo impopular, e aí adeus à reeleição.
Bolsonaro medita.
Dossiê dos antifascistas: ministro recua para evitar crise
com STF
Mendonça ainda tem muito o que aprender
Meia volta, volver! Perdeu-se a conta do número de vezes que
o ministro André Mendonça, da Justiça, avançou, recuou, tornou a avançar,
recuou outra vez, para no fim confirmar a existência de um dossiê sobre quase
600 servidores federais que se declararam antifascistas, e que ele prefere
chamar de relatório.
O comportamento do tipo ioiô de Mendonça chegou a prenunciar
uma possível nova colisão entre os poderes Executivo e Judiciário quando ele se
negou a atender a um pedido da ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal
Federal, para que lhe remetesse uma cópia do dossiê. Ou do relatório, como
preferisse.
O dossiê foi produzido pela Secretaria de Operações
Integradas do ministério, subordinada a Mendonça. Depois que parte dele veio a
público, o ministro mandou abrir uma sindicância para apurar o caso. Mas mesmo
antes de a sindicância ser aberta, ele demitiu o coronel que chefiava o setor
de inteligência da secretaria.
Ora, por que a demissão se o conteúdo do tal dossiê, ou
relatório, como dizia Mendonça, não configurava nenhum crime contra a livre
manifestação de pensamento que a Constituição garante a todo mundo, inclusive a
servidores federais fascistas ou antifascistas? O Congresso quis conhecer o
dossiê, e já o recebeu.
No último dia 6, Mendonça havia dito que seria
“catastrófico” compartilhar o dossiê com o Judiciário. Pediu “parcimônia e
sensibilidade” ao Supremo para que deixasse a Comissão de Controle Externo da
Atividade de Inteligência do Congresso fazer a análise sobre o tema. Por que só
o Congresso?
Ao saber, porém, que o tribunal tomará posição a respeito em
sessão marcada para a próxima semana, concluiu que o melhor seria se dispor a
atender ao pedido da ministra Carmen Lúcia. Enfim, tanta trapalhada para nada,
e logo de um ministro que aspira a uma vaga no Supremo. Ainda tem muito que
aprender.
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