Entre as muitas consequências da pandemia, o Brasil se vê,
hoje, com uma dívida interna de R$ 6,1 trilhões, que equivale a 85,5% do PIB. Há
apenas um ano, a dívida era de 75,8% e, segundo estimativas, deve chegar a mais
de 100% em 2022. Em patamar tão elevado, é natural que cause preocupação. Por
uma razão: dívidas altas em sua maioria indicam a má administração de um
governo que gasta sem responsabilidade e é obrigado a cobrir seus déficits com
títulos públicos. No entanto, no caso brasileiro, quando se observa o
desenrolar da pandemia, percebe-se que o governo fez bem em gastar. Foram
expressivos os desembolsos para hospitais e instituições de saúde e milhões de
brasileiros que perderam o emprego ou os meios de trabalho. Sem isso, a
pandemia teria sido um desastre muito maior.
É certo que uma dívida interna alta produz distorções na
economia. Absorve volume considerável de impostos para pagamento de juros em
vez de destinar recursos para o bem-estar social e investimentos. Uma lacuna
grave num país em que o setor público investe tão pouco.
Há outras considerações a respeito da dívida atual. Ela
ocorre num momento em que os juros estão historicamente baixos. Por isso, a
dívida, embora se aproxime dos 100% do PIB, não é explosiva. Além disso, o
governo tem crédito para colocar os seus papéis no mercado.
Não há, também, risco de um ataque especulativo, como
ocorreu em outros países. Estrangeiros detêm apenas 9,1% do total da dívida.
Quanto à dívida externa, que foi o grande pesadelo durante a década de 1980, o
País está bem, com reservas internacionais superiores ao que deve.
A dívida interna é um problema incontornável quando ela
evolui a taxas crescentes e paga juros mais altos para sua rolagem. Não é o
caso do Brasil. O governo tem se movimentado com prudência na administração da
dinâmica da dívida, que cresce a um ritmo menor e a juros declinantes. É um
movimento consistente e mostra um controle adequado sobre a evolução da dívida.
Apesar disso, uma dívida tão alta é preocupante e
significará nos próximos anos um esforço considerável de contenção de despesas
e aprovação de reformas estruturais. Ela surgiu de um déficit primário que
encerrou 2019 na casa de 1,3% do PIB e pode chegar em 2020 a 12% do PIB ou
mais.
A pandemia provavelmente será debelada: vacinas já estão em
testes em todo o mundo, inclusive no Brasil. De forma que os custos
emergenciais com a doença tendem a desaparecer com o tempo. Ainda assim, será
preciso algum sacrifício para resolver o passivo deixado pela covid-19.
O governo tem instrumentos para resolver essa questão, e de
forma consistente, buscando uma agenda de crescimento composta por reformas
estruturantes, privatizações e concessões. É o melhor meio de cobrir o déficit.
Um dos principais instrumentos para controlar essa dívida é
o mecanismo constitucional do teto de gastos. Por essa medida, os gastos de um
ano devem acompanhar a inflação do ano anterior. É um dispositivo que funciona
como amortecedor da dívida pública. Respeitar seu preceito traz confiança à
condução da economia.
É, portanto, fundamental que governo e Congresso defendam e
preservem seu cumprimento para sinalizar uma gestão realista em relação às
contas nacionais. E que o Brasil é uma casa segura para investir.
A reforma tributária já deu um passo no Congresso. Resta a
reforma administrativa (tão prometida e tão adiada), que reduza gastos e
melhore a eficiência da máquina governamental. Privatizações e concessões são
palavra de ordem da atual administração federal.
O desejável, nesse contexto de crise aguda que vivemos, é
uma construção política, na qual cada grupo dialogue com a sociedade e dê sua
cota de sacrifício, ao abrir mão de parte dos seus interesses imediatos em prol
dos interesses gerais e de longo prazo do País.
*PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO
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