Ministério da Defesa deve ter mais dinheiro do que a
Educação em 2021
BRASÍLIA – O governo de Jair Bolsonaro prevê
reservar R$ 5,8 bilhões a mais no Orçamento do
ano que vem para despesas com militares do que com a educação no
País. A proposta com a divisão dos recursos entre os ministérios está nas mãos
da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes,
e deve ser encaminhada até o fim deste mês ao Congresso. Caso confirmada, será
a primeira vez em dez anos que o Ministério da
Defesa terá um valor superior ao da pasta da Educação.
Egresso do Exército,
Bolsonaro foi eleito tendo os militares como parte de sua base de apoio. Na
quinta-feira passada, na “live” semanal que faz nas redes sociais, o presidente
disse sofrer pressão para aumentar os recursos destinados às Forças Armadas,
mas reclamou que “o cobertor está curto”. “Alguns chegam: ‘Pô, você é militar e
esse ministério aí vai ser tratado dessa maneira?’ Aí tem de explicar. Para
aumentar para o Fernando (Azevedo e Silva, ministro da Defesa) tem de
tirar de outro lugar. A ideia de furar o teto (de gastos) existe, o
pessoal debate, qual o problema?”, disse o presidente, em referência à regra
que limita aumentar despesas acima da inflação. Na mesma ocasião, ele afirmou
que a Defesa pode ter “o menor orçamento da história”.
Não é o que está na proposta mais atual em discussão no
governo, à qual o Estadão teve acesso. Segundo a previsão, a
Defesa terá um acréscimo de 48,8% em relação ao orçamento deste ano, passando de
R$ 73 bilhões para R$ 108,56 bilhões em 2021. Enquanto isso, a verba do Ministério da
Educação (MEC) deve cair de R$ 103,1 bilhões para R$ 102,9
bilhões. Os valores, não corrigidos pela inflação, consideram todos os gastos
das duas pastas, desde o pagamento de salários, compra de equipamentos e
projetos em andamento, o que inclui, no caso dos militares, a construção de
submarinos nucleares e compra de aeronaves.
A previsão de corte nos recursos da Educação em 2021 já era
tratada no governo há alguns meses e, como revelou o Estadão em
junho, gerou
reclamações do ex-ministro Abraham Weintraub. Pouco antes de sua demissão,
ele afirmou que a proposta em discussão poderia colocar em risco até mesmo a
realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
no ano que vem. Na semana passada, reitores de universidades federais também
alertaram que a possível redução do dinheiro pode inviabilizar atividades nas
instituições.
Ajustes
Os pedidos do MEC e de outros ministérios por mais recursos
foram avaliados na quinta-feira passada pela Junta de Execução Orçamentária,
composta por Guedes, o ministro da Casa Civil, Walter Braga
Netto, e técnicos do governo. O grupo aceitou elevar em R$ 896,5
milhões a verba da Educação. A maior parte para o pagamento de bolsas da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
e para reforçar o caixa do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE), responsável por compra de livros escolares, transporte de alunos e
financiamento estudantil, entre outros programas.
Guedes e Braga Netto também foram generosos com o Ministério
da Defesa. Os ministros aceitaram aumentar em R$ 768,3 milhões as despesas
discricionárias previstas para a pasta – aquelas que não são obrigatórias e
podem, por lei, ser remanejadas. É o dinheiro para pagar água, luz, obras e
programas considerados estratégicos para os militares, como os submarinos e os
caças. Mesmo com o acréscimo, o valor reservados para este tipo de gasto deve
cair de R$ 9,84 bilhões neste ano para R$ 9,45 bilhões.
O governo também decidiu manter no ano que vem a “blindagem”
ao orçamento da Defesa, excluindo a pasta de possíveis tesouradas. Na Educação
não há essa restrição e, no ano passado, bolsistas da Capes sofreram com os
contingenciamentos.
As discussões sobre o Orçamento ocorrem no momento de
disputa interna no governo sobre aumentar ou não as despesas públicas. Na
terça-feira passada, Guedes alertou que Bolsonaro pode parar na “zona sombria”
do impeachment se furar o teto.
Por causa da pandemia, o Congresso autorizou o Executivo a
extrapolar as previsões iniciais em 2020. Como resultado, a Defesa, por
exemplo, conseguiu elevar seus gastos para R$ 114,3 bilhões, e a Educação, para
R$ 118 bilhões. A expectativa da equipe econômica, no entanto, é que os limites
sejam respeitados no ano que vem.
Governo diz que proposta ainda pode ser modificada
Os ministérios da Economia e da Defesa afirmam que a
proposta de rateio das verbas do Orçamento de 2021 ainda passará por discussões
internas e poderá ser alterada. Procurados, Presidência, Casa Civil e Educação
não se manifestaram.
Aliado do presidente Jair Bolsonaro e general da reserva, o
deputado Roberto Peternelli (PSL-SP) afirmou que o governo prioriza a educação,
mas que isso não deve se refletir no Orçamento. “Tenho a plena convicção de que
o fator mais importante é a educação”, afirmou. “Agora, ser o mais importante e
ter o maior orçamento são análises distintas.”
Não é só no Orçamento que Bolsonaro tem beneficiado seus
aliados fardados em um cenário de cortes de despesas. No mês passado, enquanto
quase 9,6 milhões de trabalhadores da iniciativa privada tiveram seus salários
reduzidos e servidores públicos civis foram proibidos de ter aumento por causa
da pandemia do novo coronavírus, integrantes das Forças Armadas passaram a ter
direito a um reajuste de até 73% como bonificação.
Chamado de “adicional de habilitação”, o “penduricalho” foi
incorporado na folha de pagamento de julho dos militares, com impacto de R$ 1,3
bilhão neste ano e de R$ 3,6 bilhões em 2021. O reajuste foi aprovado com a
reforma da Previdência dos militares, no fim de 2019.
É o gasto com pessoal o que mais consome a verba da Defesa.
Na proposta para 2021, 91% dos gastos irão para salários, benefícios e pensões.
“O presidente tem um pendor especial pela sua corporação”, avaliou Carlos Melo,
cientista político e professor do Insper. “Foi assim na reforma da Previdência
e tende a ser assim em qualquer situação. / COLABOROU ADRIANA FERNANDES
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