Os trinta dias decorridos desde minha última coluna no Valor
revelam, de maneira mais clara, o roteiro que vamos seguir em nossa difícil
estrada para a recuperação econômica em 2022. Uma primeira informação
importante que agora dispomos é que está sendo impossível aos governos
nacionais – no Brasil e em vários outros países – seguir o roteiro original em
que o isolamento social só seria abandonado quando o controle da pandemia
estivesse assegurado e o achatamento da curva da doença atingido. Inclusive nos
países em que o controle teve sucesso inicial, acabou ocorrendo aceleração da
abertura da economia, mesmo que ao custo de vidas humanas.
No Brasil – como nos Estados Unidos – o controle social
radical foi abandonado com volta do crescimento da economia se impondo como
valor político inadiável. Mas a avaliação sobre acertos e erros na evolução do
relaxamento – ou mesmo de seu total abandono – vai ser feito no futuro.
Com este novo protocolo na busca da normalização da
economia, podemos trazer nossa atenção para sua dinâmica ao longo dos próximos
meses. A China voltou ao nível de sua atividade econômica de antes da covid-19
como prêmio pela dureza e eficiência com que tratou o controle da pandemia. Em
segundo lugar nesta disputa pela volta ao normal, contrariando as expectativas
dos analistas, está a zona do Euro. Mesmo aos trancos e barrancos ao longo dos
primeiros noventa dias a grande maioria de seus países membros controlaram a
covid 19 com certo sucesso e iniciaram, ainda no segundo tri, um processo
gradativo de relaxamento do controle social e já estão colhendo os primeiros
frutos de ter saído do chamado fundo do poço.
Certamente uma das causas de sua recuperação, adiante de
outros países, foi a injeção de ânimo nos agentes econômicos provocado por um
pacote fiscal, de quase US$ 1 trilhão, para ser usado pelos países mais frágeis
da região mediterrânea. Este sinal de solidariedade, nunca antes visto, acabou
por provocar uma valorização do euro em relação ao dólar e consolidar a
recuperação das economias nacionais. Mas mesmo assim a queda do PIB no segundo
tri de 2020 foi histórico e, em algumas economias, perto dos 15% ao ano.
O Brasil ficou no grupo de países com uma política de
enfrentamento da pandemia pouco eficiente, com divergências profundas entre
seus líderes políticos de como implementar o afastamento social. Por esta razão
a velocidade de recuperação da economia é mais lenta e o custo final de perdas
de vidas humanas certamente mais elevado do que teria ocorrido se seguido o
caminho da Europa. Neste sentido estamos seguindo os Estados Unidos, este sim a
grande decepção no tratamento da crise de saúde e da recuperação de sua
economia. A diferença a nosso favor foi a implantação de um abrangente programa
de apoio de renda aos brasileiros que vivem no mundo da informalidade e uma
logística de acesso ao benefício que funcionou com eficiência. Nos Estados
Unidos os conflitos políticos, e um presidente fortemente negacionista em
relação à pandemia, criaram as condições para um colapso histórico do emprego e
da renda dos mais pobres.
A melhor prova do nosso sucesso no apoio à renda dos mais
vulneráveis veio esta semana com a divulgação de algumas estatísticas econômicas
referentes ao mês junho, principalmente a das vendas ao varejo. Os números
divulgados mostram que este segmento importante do consumo dos brasileiros já
voltou aos níveis de antes da pandemia. A equipe de economistas da FGV divulgou
a primeira estimativa para o PIB no segundo trimestre de 2020 com números
melhores dos que os estimados anteriormente: queda de 10,3% em relação ao
primeiro tri e de 10,7 % em relação ao mesmo período do ano passado.
Posteriormente o BC divulgou o seu indicador mensal do PIB – o IBC-Br –
mostrando até junho números compatíveis com os da FGV.
Quando comparada com a queda de outras economias importantes
neste mesmo período esta primeira medida da intensidade da nossa recessão se
mostrou menor do que a queda de 12,1% estimada para a zona do euro – no caso da
França este número foi 14,2% – e apenas 1/3 da queda de 32,9% ocorrida nos
Estados Unidos, o que serve de algum conforto para uma sociedade tão sofrida
como a nossa.
Além destas informações mais favoráveis sobre a recuperação da
economia, outros indicadores que medem as expectativas dos agentes econômicos
levaram a equipe da FGV a rever suas previsões para o ano fechado em dezembro:
queda do PIB de 4,5% em 2020 e um crescimento de 3,5% em 2021. Se isto ocorrer
efetivamente, chegaremos ao fim de 2021 com um PIB nominal praticamente igual
ao de 2019 lembrando que há poucos meses a queda prevista pela grande parte dos
analistas chegava a mais de 3% neste mesmo período de dois anos.
Mas a batalha pela recuperação do crescimento ao longo do
restante do ano e principalmente nos primeiros meses de 2021 vai exigir do
governo federal uma postura realista e madura em relação à política econômica.
Se houver afastamento deste caminho, com a busca do crescimento via utilização
de artifícios populistas, vamos ter uma recaída na recessão na parte final do
mandato do presidente Bolsonaro. Estamos vivendo tempos parecidos com os anos
iniciais do governo Geisel em 1975 quando a ansiedade de voltar a crescer fez o
governo atropelar o ciclo econômico e tentar uma via mais rápida com resultados
desastrosos para o regime militar poucos anos à frente.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e
economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações.
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