Em determinado momento, às vésperas da II Guerra Mundial,
pressionado por alas do Parlamento, por líderes da base e de uma parcela da
elite a fazer um acordo de entendimento com Adolf Hitler, o célebre
primeiro-ministro britânico sir Winston Leonard Spencer-Churchill, que comandou
as forças aliadas, reagiu assim ao que considerou uma afronta ao bom senso:
“Quando vamos aprender a lição? Quantos ditadores mais precisam ser adulados,
apaziguados, cortejados até aprendermos? Você não pode dialogar com um tigre
quando a sua cabeça está na boca dele”. Nos dias atuais, na banda de cá desse
Brasil de tropicalismo continental, setores ditos patrióticos e “progressistas”
acham natural, e até aceitável, um líder tirânico e imoral discorrer suas
barbaridades e atentar contra a ciência cotidianamente e, mesmo assim, ser
reverenciado como “o Salvador”. Bajulam seus feitos de araque.
Entoam a cantilena da louvação desmiolada a um funcionário
público, provisoriamente lotado como mandatário, que é capaz de atos
repugnantes como o de sagrar “herói” criminosos sanguinários, da estatura de um
coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, enquanto falseia e nega atentados
ambientais e prega a não obrigatoriedade da vacinação em massa, irrompendo
contra a lei — mais uma vez. O Bolsonaro “antivax” dos últimos tempos, depois
de incitar a desobediência ao isolamento, boicotar medidas protetivas, promover
medicamentos ineficazes e confraternizações genocidas, extrapolou os limites do
descaso pela saúde pública ao alegar que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar
vacina”. Sabe que pode e deve. E não precisa pegar na marra. Bastam os limites
das penalidades previstas. Sancionou, ele próprio, em fevereiro último, lei que
estabelece a vacinação como medida compulsória para deter a pandemia.
Provavelmente foi informado e está ciente de que programa de imunização é,
antes de tudo, uma questão imperativa do coletivo, não de escolha individual.
Está previsto na Constituição: “a saúde é um direito de todos e dever” — atente
para a determinação — “do Estado”. Por dever, entenda-se o óbvio: obrigação. O
Estatuto da Criança e do Adolescente também estabelece a “obrigatória vacinação
nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. Está claro? Paira alguma
dúvida? Não deveria. Mas Bolsonaro é dado a ignorar arcabouços jurídicos. Mesmo
aqueles que contam com o seu endosso pessoal autografado (assinou sem ler?).
Assim leva evidências lógicas aos limites da picaretagem, enquanto versa
lorotas para o discurso propagandístico. O presidente confunde libertinagem com
liberdade. Abdica da responsabilidade de governante pela fanfarronice populista
típica de aloprados. E seus seguidores, mais uma vez, inebriados pelas
estultices e sandices do “mito” raso, acham razoável ele agir assim. Talvez até
concordem com o comentário — provável, não há como descartar a hipótese
bestial. Não enxergam mal algum em alguém que encara a ditadura como modelo e
alega que o período foi “mal interpretado”, que dirá isso! Bobagem, alegam. E o
que vem a seguir? Cidadãos confusos, levados pela insensatez e irresponsabilidade
do chefe da Nação, que caem na crença da iniquidade da vacina, minando dessa
maneira o único caminho garantido para a imunização segura. Vivemos tempos
estranhos. De um retrocesso endêmico das conquistas civilizatórias.
Multiplicam-se nas redes sociais e nas hordas dos oportunistas de plantão a
mentira fantasiada de verdade, a versão infundada encobrindo as evidências e
fatos, a narrativa negacionista se sobrepondo à ciência. Setores sociais
imersos na onda do charlatanismo ideológico, levados por interesses escusos,
pela cegueira e pelo fanatismo, promovem a inversão de valores. Vacina agora
não funciona, não deve ser tomada, depende de qual partido a apoia. É a
decadência da cultura e do discernimento de uma sociedade. Obscena a indução da
ignorância por líderes falsários. Nas ruas, nessa semana, grupelhos gritavam,
como palavras de ordem, o mantra da demência: “Nós temos a cloroquina, abaixo a
vacina!”. A imbecilização popular está em alta movida por aqueles que querem
subjugar. Sob o pretexto de aproximação dos anseios do povo, disparates são
evocados da cadeira do Planalto. Nesse ambiente, a propagação da ignorância tem
servido como instrumento de poder. Algo torpe, que leva muitas pessoas — de
todos os níveis sociais — a serem conquistadas pela delinquência política. A
ponto até de aderirem à patriotice de fancaria. No último Sete de Setembro, por
exemplo, havia quem confundisse apoio à Pátria com apoio ao presidente, típico
de regimes dos caudilhos populistas. Onde está anotado o elo de uma coisa e outra?
A patética patriotada colocava opositores do capitão como inimigos do País.
Desqualificavam, com soberba indevida e monótona, os questionamentos aos abusos
de um governante que, em plena tragédia da Covid-19, desfilava cercado por
crianças sem máscara, pobres inocentes expostos ao risco fatal. A perversão dos
adoradores da (para eles) sacrossanta figura de Messias ganhou eco e atuação
concreta, de uns tempos para cá, na rede do “QAnon” (O Anônimo), onde adeptos,
como admiradores de uma seita, difamam adversários e lançam ameaças de caráter
terrorista. Esse Exército de Brancaleone bolsonarista, movido pela perda da
razão, escolheu a bandeira da resistência à vacinação. Por deveras absurdo ter
de repetir e registrar — algo que deveria estar no senso comum, mas que nos
dias atuais parece mister reafirmar obviedades —, fica o alerta: a vacina não
apenas é obrigatória como a recusa em tomá-la pode dar cadeia. Não se pode ser
leniente com tal preceito. O que faz o mandatário, indo de encontro ao senso
comum e aos princípios do conhecimento, é algo típico do obscurantismo
medieval, no mesmo tom das teses terraplanistas que vingaram na sua gestão. A
apropriação indébita dos conceitos de certo e errado não pode colocar a perder
toda a evolução da humanidade. Que os ignorantes do poder caiam em si.
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