A decisão do presidente Jair Bolsonaro de não aceitar a
proposta de deixar sem correção os benefícios previdenciários e assistenciais,
manifestada de forma agressiva em rede social na terça-feira, terá
consequências importantes na política fiscal do governo. Bolsonaro rejeitou,
pela segunda vez em menos de um ano, a proposta dos 3 Ds do seu ministro da
Economia, Paulo Guedes, que deseja fazer a desindexação das despesas
orçamentárias, a desvinculação das receitas e desobrigar o governo a realizar
gasto.
Em novembro de 2019, o governo encaminhou ao Congresso
Nacional o que chamou de Plano Mais Brasil, constituído de duas PECs que tratam
de novas regras fiscais. Guedes tentou incluir nelas a desindexação do salário
mínimo e dos benefícios previdenciários e assistenciais. O piso salarial e os
benefícios não teriam correção por dois anos, o que abriria espaço no teto de
gastos da União para mais investimentos públicos.
Bolsonaro foi contra a medida, como o próprio ministro da
Economia revelou na época. Por isso, os textos da PEC Emergencial (186/2019) e
da PEC do Pacto Federativo (188/2019) estabelecem, explicitamente, que será
preservado o poder aquisitivo do salário mínimo.
Agora, o ministro e sua equipe voltaram a insistir na tese
dos 3 Ds, negociando diretamente com o relator da PEC 188, senador Márcio
Bittar (MDB-AC), para incluir na proposta a desindexação dos benefícios
previdenciários, pelo mesmo prazo de dois anos, que tinha sido apresentada ao
presidente Bolsonaro em novembro do ano passado e rejeitada.
A diferença é que, na nova versão dos 3 Ds, a desindexação
dos benefícios previdenciários foi apresentada como uma maneira de garantir
espaço no teto de gastos para o novo programa social do governo Bolsonaro,
chamado de Renda Brasil – uma espécie de Bolsa Família turbinado.
É impressionante que uma autoridade do Ministério da
Economia tenha proposto a criação de uma nova despesa obrigatória de caráter
continuado (o Renda Brasil) mesmo com o governo tendo que reduzir, todo ano, os
investimentos públicos para manter o teto de gastos em pé, pois as despesas
obrigatórias não param de aumentar.
Originalmente, o objetivo dos 3 Ds era abrir espaço no
Orçamento da União para ampliar os investimentos e sustentar o teto de gastos
por mais alguns anos. Fazer a desindexação dos benefícios previdenciários para
criar nova despesa obrigatória é uma contradição em si.
Resta a questão de saber por que o ministro Paulo Guedes
voltou a insistir na proposta dos 3 Ds, mesmo depois de ela ter sido vetada
pelo presidente Bolsonaro no ano passado. A explicação mais plausível é que o
ministro da Economia não vê ganhos de espaço no teto de gastos apenas com as
medidas de ajuste fiscal que estão definidas na PEC 188. Elas recaem,
basicamente, sobre os servidores públicos.
Se as despesas obrigatórias ultrapassarem 95% do total das
despesas primárias do ano (não incluem o pagamento de juros e as amortizações
da dívida), nenhum dos poderes da República poderá conceder aumento de salário,
reajuste ou qualquer tipo de vantagem aos servidores, criar cargos, alterar
estrutura de carreira, realizar concurso público, criar ou majorar auxílio e
criar qualquer despesa obrigatória, entre outras medidas, de acordo com a PEC
188.
Dito de forma mais direta, os representantes do Judiciário
teriam que adotar as medidas de ajuste da PEC 188, pois o teto de gasto é
individualizado por Poder e por órgão. As medidas restritivas, como a não
concessão de reajuste ou qualquer outra vantagem se aplicariam também a juízes,
procuradores e militares. Ou seja, não apenas os servidores civis dos três
Poderes seriam penalizados. É fácil entender a dificuldade política para a
aprovação da PEC.
A decisão de Bolsonaro ao rejeitar a ideia de não corrigir
os benefícios previdenciários terá, portanto, impacto direto sobre o teto de
gastos. Aprovada a PEC 188, com o seu texto original, o presidente terá que
impor sacrifícios aos servidores, incluindo os militares, se quiser preservar o
teto de gastos. As medidas terão que ser tomadas com urgência, pois, pelos
cálculos de quase todos os analistas, para manter o teto de gastos já em 2022
as despesas discricionárias (investimento e custeio da máquina administrativa)
terão que ser cortadas ao nível de paralisia dos serviços públicos.
Há pessoas otimistas acreditando que, mesmo com a oposição
de Bolsonaro, o Congresso poderá manter a proposta da desindexação dos
benefícios previdenciários no novo texto da PEC 188, que deverá ser apresentado
pelo relator Márcio Bittar. É difícil acreditar que os senadores e deputados
possam ser mais realistas do que o rei, ou seja, que aceitem o ônus de uma
medida impopular, mesmo contrariando o presidente da República. Tudo isso, às
vésperas das eleições municipais.
De olho na inflação
O Ministério da Economia alterou algumas de suas previsões
para a economia neste ano. De acordo com o Boletim MacroFiscal, da Secretaria
de Política Econômica (SPE), a previsão para a inflação medida pelo INPC subiu
de 2,09% para 2,35%. Este dado é de grande relevância para as despesas
públicas, pois o INPC corrige o salário mínimo, que é a base dos benefícios
previdenciários e assistenciais. Corrige também os benefícios previdenciários
acima do piso.
O anexo de riscos fiscais do Projeto de Lei de Diretrizes
Orçamentárias (PLDO) para 2021 estima que para cada aumento de 0,1 ponto
percentual do INPC, a despesa da União sobe R$ 768,3 milhões. Como a previsão
da SPE para o INPC subiu 0,26 ponto percentual, a despesa da União no próximo
ano foi elevada em mais de R$ 1,9 bilhão.
É um acréscimo significativo, principalmente porque as
despesas orçamentárias para 2021 estão no limite do teto. Isto significa que,
se a previsão da SPE se confirmar, o Congresso terá que cortar ainda mais o
investimento e o custeio programado no Orçamento do próximo ano para manter as
despesas dentro do teto.
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