O voluntarismo às vezes funciona em competições esportivas,
mas tende a ser ruim na administração pública e péssimo na medicina. Não
obstante, o presidente Jair Bolsonaro atropelou os princípios da boa gestão e
da ciência ao determinar a produção e distribuição de comprimidos de cloroquina
para combater a Covid-19.
O resultado é que o Ministério da Saúde agora lida com
enormes estoques da droga, fabricados pelo Exército ou doados pelos Estados
Unidos, e tenta
desová-los pelos municípios e estados, que tampouco precisam deles.
A cloroquina e sua variante hidroxicloroquina são fármacos
excelentes para tratar malária e algumas doenças autoimunes. No início da
pandemia, acreditou-se que poderiam ser eficazes contra a Covid-19. Centenas de
grupos de pesquisa as escrutinaram e a conclusão é que, se elas têm efeito
sobre a moléstia, é pequeno demais e não compensa o risco dos graves efeitos
adversos que podem produzir.
Desde maio, a recomendação quase unânime de reguladores e
associações médicas é que não sejam utilizadas para tratar a Covid-19.
Bolsonaro, porém, resolveu ignorar todos os passos que a
ciência deu e insiste, sem apoio em evidências sólidas, que todos os pacientes
devem receber cloroquina ao primeiro sinal da doença.
É difícil aqui determinar se o absurdo maior é um presidente
despreparado tomar uma decisão dessa natureza ou o Ministério da Saúde se
esforçar para implementá-la. Para tudo existem procedimentos técnicos e
jurídicos que não podem ser contornados nem pelo mandatário da República. Cabe
ao Ministério Público avaliar se não houve irregularidades e, caso as detecte,
processar os responsáveis.
A cloroquina, o mais emblemático dos equívocos na epidemia,
não é o único e talvez nem o mais letal. O péssimo desempenho do Brasil se
explica ainda pela falta de liderança do presidente.
Bolsonaro, porém, não peca apenas por omissão. Ele
também o
fez de forma ativa, ao insistir em declarações que negavam a gravidade da
doença e ao pressionar pela reabertura precoce da economia, atitudes que
incentivaram pessoas, em especial seus eleitores, a adotar maus comportamentos.
Pesquisadores chegaram a registrar um vínculo causal entre
as falas de Bolsonaro, quedas nas taxas de isolamento e aumento das mortes. Não
é sempre que a ciência pega um presidente em flagrante.
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