O que pretende o presidente Jair Bolsonaro ao abrir, na
próxima terça-feira, por videoconferência, a Assembleia-Geral da ONU? Defender
os interesses nacionais, ou fazer o jogo dos Estados Unidos? Seguir a regra
internacional de não ingerência em assuntos políticos de outros países, ou
reforçar nas entrelinhas a campanha à reeleição de Donald Trump? Badalar o
Brasil e seu enorme potencial, ou o seu governo e ele próprio?
Essas perguntas podem parecer sem sentido, pois os
presidentes de todas as democracias usam os palcos internacionais para defender
os interesses dos seus países. Mas tudo é peculiar com Bolsonaro, inclusive na
política externa. Para piorar as coisas – e as expectativas – Trump falará logo
depois do “amigo” brasileiro. Ora, ora, se não vai pintar uma dobradinha entre
os dois, a um mês e meio da eleição americana…
O tema da assembleia-geral deste ano é multilateralismo, o
que ajuda o pas-de-deux, com Trump e Bolsonaro metendo o sarrafo em
organizações internacionais fundamentais para reduzir a desigualdade, ainda
mais aguda na pandemia, entre regiões, entre países e nos próprios países. Ambos
tendem a criticar a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Mundial
do Comércio (OMC) e, por que não?, a própria ONU e seus organismos de direitos
humanos e meio ambiente.
Se é para apostar, o presidente também vai entrar em
questões internas, para dizer ao mundo, via ONU, que o Brasil é um sucesso no
combate à pandemia, no controle das queimadas e na recuperação econômica. A
covid-19 já praticamente acabou, ok? E é mentira o que os brasileiros, os EUA,
a Europa e o planeta sabem e os satélites confirmam: que as queimadas cresceram
mês a mês na Amazônia e estão dizimando a fauna do Pantanal.
O mundo poderá, assim, assistir ao vivo e em cores a aliança
entre Bolsonaro e Trump, inclusive contra a realidade. O último lance foi o
Planalto ceder à Casa Branca e manter por mais três meses a isenção de tarifas
para o etanol americano, prejudicando os produtores brasileiros, mas ajudando o
apoio dos americanos a Trump em 3 de novembro. Indiretamente, sem saber ou
querer, o setor de etanol do Brasil está pagando um preço para reeleger o
republicano.
E a lista de favores de Bolsonaro a Trump, contra o Brasil,
não para aí. Essa decisão, contrária aos interesses nacionais e ao Ministério
da Agricultura, não foi pragmática, foi ideológica, e não é nova nem única. O
Brasil já tinha aceitado também uma cota de 750 mil toneladas de trigo
americano sem Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul.
Mais: o ministro Paulo Guedes havia lançado o brasileiro
Rodrigo Xavier para disputar a presidência do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), mas foi surpreendido duplamente: quando Trump anunciou
candidato próprio, seu assessor Mauricio Claver-Carone, e quando o Planalto e o
Itamaraty passaram a trabalhar pela candidatura americana e contra o adiamento
da decisão para depois da eleição à Casa Branca.
Além de ser mais uma derrota de Guedes, o que é só detalhe,
essa manobra tem potencial explosivo. Rompe a tradição de que os EUA não entram
no rodízio para a vaga, promove um assessor de Trump sem saber se ele fica ou
não na Casa Branca. E o grande temor é de que os EUA, com ajuda do Brasil, usem
o BID como instrumento de pressão para jogar os países da América Latina contra
a China.
E o que dizer de Bolsonaro seguindo Trump, passo a passo, na
pandemia? É uma “gripezinha”, não precisa máscara, não ao isolamento social,
está “no fim” (quando nem tinha chegado à metade), a culpa é dos governadores e
a cloroquina é a salvação da lavoura. Tudo errado, tudo copiado, e deixa não
uma interrogação, mas um grito no ar: e se Joe Biden vencer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário