terça-feira, 15 de setembro de 2020

E SE JOE BIDEN VENCER ?

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

O que pretende o presidente Jair Bolsonaro ao abrir, na próxima terça-feira, por videoconferência, a Assembleia-Geral da ONU? Defender os interesses nacionais, ou fazer o jogo dos Estados Unidos? Seguir a regra internacional de não ingerência em assuntos políticos de outros países, ou reforçar nas entrelinhas a campanha à reeleição de Donald Trump? Badalar o Brasil e seu enorme potencial, ou o seu governo e ele próprio?

Essas perguntas podem parecer sem sentido, pois os presidentes de todas as democracias usam os palcos internacionais para defender os interesses dos seus países. Mas tudo é peculiar com Bolsonaro, inclusive na política externa. Para piorar as coisas – e as expectativas – Trump falará logo depois do “amigo” brasileiro. Ora, ora, se não vai pintar uma dobradinha entre os dois, a um mês e meio da eleição americana…

O tema da assembleia-geral deste ano é multilateralismo, o que ajuda o pas-de-deux, com Trump e Bolsonaro metendo o sarrafo em organizações internacionais fundamentais para reduzir a desigualdade, ainda mais aguda na pandemia, entre regiões, entre países e nos próprios países. Ambos tendem a criticar a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e, por que não?, a própria ONU e seus organismos de direitos humanos e meio ambiente.

Se é para apostar, o presidente também vai entrar em questões internas, para dizer ao mundo, via ONU, que o Brasil é um sucesso no combate à pandemia, no controle das queimadas e na recuperação econômica. A covid-19 já praticamente acabou, ok? E é mentira o que os brasileiros, os EUA, a Europa e o planeta sabem e os satélites confirmam: que as queimadas cresceram mês a mês na Amazônia e estão dizimando a fauna do Pantanal.

O mundo poderá, assim, assistir ao vivo e em cores a aliança entre Bolsonaro e Trump, inclusive contra a realidade. O último lance foi o Planalto ceder à Casa Branca e manter por mais três meses a isenção de tarifas para o etanol americano, prejudicando os produtores brasileiros, mas ajudando o apoio dos americanos a Trump em 3 de novembro. Indiretamente, sem saber ou querer, o setor de etanol do Brasil está pagando um preço para reeleger o republicano.

E a lista de favores de Bolsonaro a Trump, contra o Brasil, não para aí. Essa decisão, contrária aos interesses nacionais e ao Ministério da Agricultura, não foi pragmática, foi ideológica, e não é nova nem única. O Brasil já tinha aceitado também uma cota de 750 mil toneladas de trigo americano sem Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul.

Mais: o ministro Paulo Guedes havia lançado o brasileiro Rodrigo Xavier para disputar a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mas foi surpreendido duplamente: quando Trump anunciou candidato próprio, seu assessor Mauricio Claver-Carone, e quando o Planalto e o Itamaraty passaram a trabalhar pela candidatura americana e contra o adiamento da decisão para depois da eleição à Casa Branca.

Além de ser mais uma derrota de Guedes, o que é só detalhe, essa manobra tem potencial explosivo. Rompe a tradição de que os EUA não entram no rodízio para a vaga, promove um assessor de Trump sem saber se ele fica ou não na Casa Branca. E o grande temor é de que os EUA, com ajuda do Brasil, usem o BID como instrumento de pressão para jogar os países da América Latina contra a China.

E o que dizer de Bolsonaro seguindo Trump, passo a passo, na pandemia? É uma “gripezinha”, não precisa máscara, não ao isolamento social, está “no fim” (quando nem tinha chegado à metade), a culpa é dos governadores e a cloroquina é a salvação da lavoura. Tudo errado, tudo copiado, e deixa não uma interrogação, mas um grito no ar: e se Joe Biden vencer.

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