Editorial O Estado de S.Paulo
Em participação no evento Retomada Verde, promovido pelo
Estado, o vice-presidente da República e coordenador do Conselho da Amazônia,
Hamilton Mourão, fez um levantamento das propostas do governo para a pauta
ambiental. Em tese, as promessas dão conta da complexidade do problema, e não
faltam iniciativas na sociedade civil para promover um “grande pacto pela
economia verde”, como defendeu o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo
Maia, em outro seminário do evento. Mas será necessário muito mais do que
palavras para reverter o histórico de inação do governo.
Mourão começou com um salutar mea culpa. “No ano passado,
quando nós terminamos a Operação Verde Brasil 1, que foi de combate às
queimadas (com apoio das Forças Armadas), deveríamos ter permanecido no terreno
com aquela força constituída, para já entrar de imediato, entrar de cabeça no
combate ao desmatamento.” Em maio, o presidente Jair Bolsonaro autorizou a
atuação das Forças Armadas na Amazônia, na Operação Verde Brasil 2, e o
Conselho da Amazônia planeja manter essa atuação na linha de frente ao desmatamento
ilegal até o fim de 2022.
Mourão aposta na redução das queimadas ainda em setembro.
Mas até o momento o desempenho está abaixo do esperado. Os números até agosto
foram quase tão altos quanto os de 2019. Em parte isso se deve à descoordenação
do Exército com os órgãos fiscalizadores, que, por sua vez, vêm sendo
sistematicamente debilitados. Só o Ibama perdeu 55% dos fiscais em uma década.
Rodrigo Maia foi enfático: ao longo de 2019, o Ministério do Meio Ambiente
desmontou tudo o que foi construído desde a década de 90.
Os reflexos se fazem sentir não só na Amazônia, mas em
outros biomas. No Pantanal, o número de focos de incêndios entre janeiro e
agosto deste ano equivale a tudo o que queimou no bioma nos seis anos
anteriores. Em relação aos focos de incêndio de 2018, o cenário deste ano
representa uma alta de 1.700%, o maior volume já registrado nos mais de 20 anos
da série histórica disponível.
Mourão apontou corretamente que não basta controlar as
queimadas. “Ao mesmo tempo, temos de avançar com projetos de reflorestamento e
de regeneração de áreas degradadas, e que permitam também o desenvolvimento
sustentável.” O problema é que até agora, além das promessas genéricas, não há
propostas concretas de como isso será feito.
Especialistas ouvidos pelo Estado afirmam que o cenário é
desafiador, mas há precedentes históricos que, se forem retomados, podem
funcionar. O climatologista Carlos Nobre ressaltou a importância do
rastreamento de recursos que financiam o crime ambiental, o que requer trabalho
apurado de órgãos de inteligência e a destruição do maquinário de desmatamento
ilegal. Para o pesquisador da UFMG Raoni Rajão, a perspectiva da regularização
fundiária precisa ser acompanhada de um posicionamento claro do Ministério da
Agricultura de que quem desmatar ilegalmente não será titulado. Olhando para a
frente, Nobre lembrou ainda que “o grande potencial econômico está na floresta
em pé”.
No discurso, Mourão parece plenamente alinhado a estas
propostas. “No mundo 4.0 podemos colocar prosperidade e conservação na mesma
linha. Preservação ambiental e desenvolvimento socioeconômico são objetivos
complementares, e não mais excludentes”, disse em artigo publicado no Estado.
“Estamos falando de matriz energética limpa e eficiente; agricultura
sustentável e competitiva; riquezas minerais; regularização fundiária;
bioeconomia e geração de emprego e renda associadas a uma nova política pública
para a região, com presença do Estado em todos os rincões da Amazônia e maior
efetividade no combate a crimes ambientais e outros ilícitos.”
Como disse o filósofo John Dewey, “um problema bem
articulado é um problema parcialmente solucionado”. Mas a solução total só virá
de um empenho enérgico que até agora faltou fragorosamente ao Planalto. A se
confiar nas promessas de Mourão, parece que o governo finalmente vestiu a
camisa. Falta suá-la.
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