sábado, 12 de setembro de 2020

MOURÃO E A PAUTA AMBIENTAL

Editorial O Estado de S.Paulo

Em participação no evento Retomada Verde, promovido pelo Estado, o vice-presidente da República e coordenador do Conselho da Amazônia, Hamilton Mourão, fez um levantamento das propostas do governo para a pauta ambiental. Em tese, as promessas dão conta da complexidade do problema, e não faltam iniciativas na sociedade civil para promover um “grande pacto pela economia verde”, como defendeu o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em outro seminário do evento. Mas será necessário muito mais do que palavras para reverter o histórico de inação do governo.

Mourão começou com um salutar mea culpa. “No ano passado, quando nós terminamos a Operação Verde Brasil 1, que foi de combate às queimadas (com apoio das Forças Armadas), deveríamos ter permanecido no terreno com aquela força constituída, para já entrar de imediato, entrar de cabeça no combate ao desmatamento.” Em maio, o presidente Jair Bolsonaro autorizou a atuação das Forças Armadas na Amazônia, na Operação Verde Brasil 2, e o Conselho da Amazônia planeja manter essa atuação na linha de frente ao desmatamento ilegal até o fim de 2022.

Mourão aposta na redução das queimadas ainda em setembro. Mas até o momento o desempenho está abaixo do esperado. Os números até agosto foram quase tão altos quanto os de 2019. Em parte isso se deve à descoordenação do Exército com os órgãos fiscalizadores, que, por sua vez, vêm sendo sistematicamente debilitados. Só o Ibama perdeu 55% dos fiscais em uma década. Rodrigo Maia foi enfático: ao longo de 2019, o Ministério do Meio Ambiente desmontou tudo o que foi construído desde a década de 90.

Os reflexos se fazem sentir não só na Amazônia, mas em outros biomas. No Pantanal, o número de focos de incêndios entre janeiro e agosto deste ano equivale a tudo o que queimou no bioma nos seis anos anteriores. Em relação aos focos de incêndio de 2018, o cenário deste ano representa uma alta de 1.700%, o maior volume já registrado nos mais de 20 anos da série histórica disponível.

Mourão apontou corretamente que não basta controlar as queimadas. “Ao mesmo tempo, temos de avançar com projetos de reflorestamento e de regeneração de áreas degradadas, e que permitam também o desenvolvimento sustentável.” O problema é que até agora, além das promessas genéricas, não há propostas concretas de como isso será feito.

Especialistas ouvidos pelo Estado afirmam que o cenário é desafiador, mas há precedentes históricos que, se forem retomados, podem funcionar. O climatologista Carlos Nobre ressaltou a importância do rastreamento de recursos que financiam o crime ambiental, o que requer trabalho apurado de órgãos de inteligência e a destruição do maquinário de desmatamento ilegal. Para o pesquisador da UFMG Raoni Rajão, a perspectiva da regularização fundiária precisa ser acompanhada de um posicionamento claro do Ministério da Agricultura de que quem desmatar ilegalmente não será titulado. Olhando para a frente, Nobre lembrou ainda que “o grande potencial econômico está na floresta em pé”.

No discurso, Mourão parece plenamente alinhado a estas propostas. “No mundo 4.0 podemos colocar prosperidade e conservação na mesma linha. Preservação ambiental e desenvolvimento socioeconômico são objetivos complementares, e não mais excludentes”, disse em artigo publicado no Estado. “Estamos falando de matriz energética limpa e eficiente; agricultura sustentável e competitiva; riquezas minerais; regularização fundiária; bioeconomia e geração de emprego e renda associadas a uma nova política pública para a região, com presença do Estado em todos os rincões da Amazônia e maior efetividade no combate a crimes ambientais e outros ilícitos.”

Como disse o filósofo John Dewey, “um problema bem articulado é um problema parcialmente solucionado”. Mas a solução total só virá de um empenho enérgico que até agora faltou fragorosamente ao Planalto. A se confiar nas promessas de Mourão, parece que o governo finalmente vestiu a camisa. Falta suá-la.

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