O Brasil continua refém de uma disputa retórica entre o ruim
e o pior, que nada tem a ver com a construção de um país democrático e moderno.
O presidente Jair Bolsonaro e seu antípoda, o petista Lula da Silva,
aproveitaram o Dia da Independência para terçar as conhecidas armas do
autoritarismo e do atraso, reiterando a miséria ideológica produzida pelo
lulopetismo e pelo bolsonarismo.
“No momento em que celebramos essa data tão especial,
reitero, como presidente da República, meu amor à Pátria e meu compromisso com
a Constituição e com a preservação da soberania, democracia e liberdade”,
discursou Bolsonaro em rede de rádio e TV. Ora, o respeito à Constituição e à
democracia é obrigação precípua de todas as autoridades do País, aliás de todo
e qualquer brasileiro, e não deveria ser necessário o presidente da República
vir a público para confirmar sua disposição de cumpri-la. No caso de Bolsonaro,
contudo, é mais que necessário, pois seu histórico de ataques às instituições
republicanas, de apoio a movimentos golpistas e de agressão sistemática ao
decoro indica profundo desrespeito à Constituição e à democracia.
Assim, o anunciado compromisso de Bolsonaro com a democracia
e a Constituição foi bem recebido em parte do meio político – seria mais uma
prova de sua disposição de abandonar a truculência que lhe é característica.
Mas, como tudo no bolsonarismo, um movimento de natureza intrinsecamente
autoritária, as palavras “democracia” e “liberdade” ganham significado bastante
diverso daquele consagrado no léxico democrático.
No discurso, Bolsonaro disse que “o sangue dos brasileiros
sempre foi derramado por liberdade”. Citou, como exemplos desse heroísmo, a
Guerra do Paraguai, a ação da FEB na 2.ª Guerra e, pasme o leitor, o golpe
militar de 1964. Ou seja, o presidente equiparou a mobilização militar do País
contra inimigos externos à instalação de um regime de força no Brasil para
combater inimigos internos – a “sombra do comunismo”, em suas palavras. Isso é
o bolsonarismo em seu estado puro: a “liberdade” e a “democracia” que o
presidente diz defender são restritas aos brasileiros que andam na linha – os
demais, como Bolsonaro mesmo já disse em outros tempos, deveriam ser
“fuzilados”.
Enquanto isso, o chefão petista Lula da Silva gravou um
pronunciamento em que tratou de relembrar aos brasileiros por que razão o PT
foi varrido do poder. A título de denunciar o descaso de Bolsonaro a respeito
da pandemia, o ex-presidente recitou todo o abecedário do subdesenvolvimentismo
militante. Criticou, por exemplo, a determinação de “pagar juros ao sistema
financeiro” com o lucro cambial do Banco Central, dizendo que esses recursos
“poderiam estar sendo usados para salvar vidas” na pandemia. Essa afirmação, em
si falsa, apenas reitera a rançosa hostilidade esquerdista aos investidores que
financiam o governo. Na mesma toada, criticou o teto de gastos, “que deixa o
Estado brasileiro de joelhos diante do capital financeiro nacional e
internacional”.
Como se fosse líder de chapa estudantil, Lula também atacou
o acordo para o uso norte-americano da Base de Alcântara, visto pelo petista
como “submissão do Brasil aos interesses militares de Washington”.
Além disso, Lula atacou o “furor privatista” de Bolsonaro,
algo que nem os próprios funcionários do governo estão vendo – alguns inclusive
pediram demissão recentemente, frustrados com a lentidão do prometido processo
de venda de estatais.
Por fim, acusou uma aliança das “forças conservadoras do
Brasil” com “interesses de outras potências” para sabotar “os avanços que fizemos”.
Até sua prisão Lula atribuiu a uma “criminosa colaboração secreta de organismos
de inteligência norte-americanos”.
Enquanto estiver cativo do duelo anacrônico entre
lulopetismo e bolsonarismo, repleto de inimigos ocultos, conspirações e
imposturas, o Brasil terá enorme dificuldade de identificar seus reais
problemas e de arregimentar forças para enfrentá-los. O futuro do País depende
da superação, o quanto antes, desse ruinoso embate.
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