sábado, 19 de setembro de 2020

POPULISMO JUDICIAL

Editorial Folha de S.Paulo

Grandes poderes devem ser exercidos com parcimônia, mas não foi esse o caso do primeiro ato do ministro Luiz Fux, novo presidente do Supremo Tribunal Federal, à frente do Conselho Nacional de Justiça.

Na última terça (15), o ministro decidiu restringir a aplicação de uma recomendação aprovada pelo CNJ em março deste ano para conter os efeitos da pandemia do coronavírus no sistema prisional e proteger os presos mais vulneráveis.

Numa medida de sentido populista, Fux excluiu acusados de corrupção e outros crimes de colarinho branco dos benefícios da orientação do CNJ, que recomenda a soltura dos que fizerem parte de grupos de risco e estiverem presos por crimes não violentos.

Magistrados Brasil afora têm resistido a aplicar a medida, a começar pelo tribunal que Fux agora preside. Em março, o plenário da corte deixou claro o caráter facultativo da orientação superior.

Levantamento da Folha mostrou que, entre março e meados de maio, o STF concedeu somente 6% dos habeas corpus apresentados por presos que recorreram ao tribunal para fazer valer a recomendação do CNJ. Fux não concedeu nenhum dos pedidos que chegaram a seu gabinete nesse período.

Ao sugerir que presos de grupos de risco fossem transferidos para regime domiciliar, o CNJ buscou evitar a propagação descontrolada do vírus em presídios superlotados, e não promover a impunidade de corruptos e outros criminosos, como Fux sugeriu ao justificar seu ato.

Ao enfraquecer a recomendação do colegiado, o ministro agiu como se minimizasse os riscos da disseminação do coronavírus —que ele mesmo infelizmente contraiu, como exames confirmaram dias depois de sua posse no Supremo.

A canetada de Fux tampouco parece justificada por qualquer urgência que demandasse o uso de suas prerrogativas como presidente do colegiado, ainda mais diante das evidências de que a Covid-19 se espalha sem controle nas prisões.

Criado para aprimorar o trabalho dos tribunais e submeter os juízes a controle externo, o CNJ tornou-se um importante ponto de contato institucional entre a cúpula do Judiciário e o resto do país.

Advogados e membros do Ministério Público têm assento no colegiado, e ações como mutirões de audiências de custódia contribuíram para levar a lei aos cantos mais escuros das prisões brasileiras. A medida tomada por Fux aponta em direção contrária a esse legado.

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