Para o ministro da Educação, pastor
Milton Ribeiro, a descrença em Deus transforma parte dos jovens brasileiros
em zumbis
existenciais. Segundo o religioso, a ausência de absolutos e de certezas
faz com que vivam uma vida sem propósito nem motivações.
Será? Em “This Life” (esta vida), um dos melhores livros que
li na pandemia,
o filósofo Martin Hägglund (Yale) defende o avesso da posição do ministro. Para
Hägglund, são as incertezas e a precariedade da vida que lhe dão valor. Se
pessoas e coisas fossem eternas, aí sim é que não encontraríamos a motivação
para nos ocupar delas ou nos importar com seu futuro. A própria ideia de futuro
depende da possibilidade de corrupção. A eternidade seria um presente sem fim.
Há, sim, um elemento de fé, já que nos importamos com as
coisas que nos são caras mesmo sabendo que elas desaparecerão, mas é o que
Hägglund chama de fé secular, que não é compatível com a fé religiosa. Para o
filósofo, a fé religiosa tenta nos fazer abandonar a fé secular,
convencendo-nos de que nosso objetivo deve ser o de transcender à finitude.
Como consequência, esta vida perde seu valor, convertendo-se em estado
transicional do qual precisamos ser salvos.
Seria fácil desconstruir a tese de Hägglund como reflexões
de um ateu. Mas o fascinante no livro é que ele chega a essas conclusões a
partir de textos de autores insuspeitos para os religiosos, como santo
Agostinho e C.S. Lewis, com pitadas de Charles Taylor e Paul Tillich.
O livro, aliás, é um banquete intelectual, que nos faz
provar porções, às vezes generosas, às vezes só uma entradinha, de autores tão
variados como Kierkegaard,
Aristóteles, Dante, Proust, Marx e Knausgaard, além dos já citados.
Depois de ter fustigado os religiosos, Hägglund, na parte
final da obra, bate forte no capitalismo. Ler “This Life” nos deixa com uma
irresistível vontade de nos tornar zumbis existenciais.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando
Bem…".
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