No seu primeiro dia de aparente trabalho em Brasília depois de oito a navegar atrás de golfinhos e a provocar aglomerações sem máscaras em praias paulistas, o presidente Jair Bolsonaro brindou o país com desabafos tão desastrosos que alguns dos seus auxiliares se viram obrigados a tentar consertá-los.
O primeiro deles foi feito diante de um grupo de devotos à entrada do Palácio da Alvorada: “O Brasil está quebrado, chefe. Eu não consigo fazer nada. Eu queria mexer na tabela de imposto de renda. Tem esse vírus potencializado por essa mídia que nós temos aí. Essa mídia sem caráter que nós temos”.
O segundo desabafo veio na sequência e na mesma ocasião: “Então, [o Brasil] é um país difícil de trabalhar. Quando se fala em desemprego, né, [são] vários motivos. Um é a formação do brasileiro. Uma parte considerável não está preparada para fazer quase nada. Nós importamos muito serviço”.
No fim da tarde, no mesmo lugar e em resposta a um devoto que lhe cobrou a promessa de reajustar a tabela do Imposto de Renda para beneficiar os que ganham menos, Bolsonaro disse: “Eu queria mexer na tabela. Mas não esperava esta pandemia. Temos uma dívida de aproximadamente R$ 700 bilhões”.
Se Bolsonaro nada consegue fazer uma vez que o país quebrou no seu colo, por que ele não pede as contas? No começo do seu desgoverno, reconheceu que não nascera para ser presidente. De fato, ao examinar-se sua biografia, pelo visto não nasceu para fazer grande coisa. Não faria falta se renunciasse.
Como militar, Bolsonaro destacou-se como um bom corredor de longas distâncias, acumulando elogios. Mas consta do seu prontuário que acabou afastado do Exército por má conduta. Como deputado federal por quase 30 anos, passou em branco. Uma vez eleito presidente, o que fez até agora que prestasse?
De quem é a culpa pelos problemas que enfrenta e por não saber combatê-los? A acreditar-se no que diz, é da imprensa que só o critica. É da justiça que o tolhe. É do Congresso que não o apoia. Pode ser de parte dos seus ministros, embora ele os tenha escolhido. É da pandemia. Mas dele e dos seus filhos não é.
Ao afirmar que o Brasil está quebrado, o que é uma mentira, Bolsonaro se desculpa pelo que gostaria de fazer, mas não pode. O que não gostaria ou o que não admite como necessário é justamente o que o aconselham a fazer. Como não sabe administrar nem para onde seguir, sua vida é um inferno.
Faltam-lhe conhecimentos para governar. Falta-lhe perfil para ser presidente da República. Falta-lhe disposição para pegar no pesado. Falta-lhe grandeza para reconhecer suas limitações e cercar-se de uma equipe competente. Jamais imaginou que se elegeria, salvo depois da facada. Para completar então…
Põe os problemas dos filhos, educados para ser um espelho do pai, acima dos problemas do país. E por deficiência sua, enxerga o mundo pelos olhos deles. Se os filhos fossem pelo menos os gênios que ele nunca foi, mas não são. O pai nunca os estimulou a estudar e a pensar com liberdade. São bonecos de ventríloquo.
“Alguns falam que ‘não sei quem’ não deixa eu governar. Quisera eu que fosse só um ‘não sei quem’, unzinho só”, queixou-se Bolsonaro no seu último desabafo do dia com a esperança de que seus devotos sintam pena dele. O Brasil não está quebrado, já teve. Seu presidente é que não tem conserto.
Em campo, a “Operação Abafa o que o Presidente Falou”
Os tradutores de Bolsonaro
Roga-se muitas vezes aos brasileiros que não levem a sério tudo o que seu presidente lhes diz. Mas como pedir o mesmo a investidores estrangeiros quando Jair Bolsonaro diz que o Brasil está quebrado e que por isso ele não pode fazer nada?
A “Operação Abafa o que o Presidente Falou” foi deflagrada tão logo os ministros mais próximos de Bolsonaro ficaram sabendo de suas declarações birutas no dia de ontem. Como todas tinham a ver com a economia, o ministro Paulo Guedes saiu na frente.
Guedes talvez seja o melhor tradutor de Bolsonaro. Depois de ouvi-lo, inverte o sentido do que ele disse ou quis dizer. Segundo Guedes, Bolsonaro quis dizer que o governo precisa manter sua credibilidade e respeitar o teto de gastos.
A regra do teto limita o crescimento das despesas públicas à variação da inflação. Guedes a usa como argumento para rejeitar a ideia de ampliar gastos e de prorrogar o auxílio emergencial a trabalhadores informais. Bolsonaro tem horror à regra.
“Não há nenhuma divergência entre nós. Obviamente, o presidente se referiu à situação do setor público”, contemporizou o ministro da economia. Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica de Guedes, festejou a fala de Bolsonaro.
“O que o presidente deu foi uma tremenda declaração em defesa da consolidação fiscal. É um tipo de declaração que mostra para todo o mercado que ele está comprometido não apenas com a agenda de reformas, mas com a de consolidação fiscal”, disse.
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