Em uma democracia, um chefe de Estado só cai quando as ruas se voltam contra ele. Então os partidos o abandonam, ele perde as condições de governar, e acabou. É assim mais no presidencialismo do que no parlamentarismo.
Eleito em 1989, Fernando Collor de Mello foi à lona no final de 1992, acusado de corrupção. Dinheiro sujo pagou a compra de um Fiat Elba para uso dele e a reforma da Casa da Dinda, residência oficial de Collor enquanto ele foi presidente.
Eleita em 2010 e reeleita dali a quatro anos, Dilma Rousseff terminou deposta porque gastou mais do que o Congresso autorizara, desrespeitando assim a Lei de Responsabilidade Fiscal. A isso se deu o nome de “pedaladas”.
Por duas vezes, Temer, o vice que substituiu Dilma, escapou de ser denunciado por corrupção pelo Supremo Tribunal Federal, o que o afastaria do cargo enquanto durasse o processo. A Câmara negou licença para a apresentação das denúncias.
Derrubar um presidente não é fácil. Requer dois terços de um total de 513 votos de deputados e dois terços dos votos de 81 senadores. A insatisfação popular está na raiz de qualquer tentativa bem-sucedida de tirar um presidente.
As pesquisas de opinião pública ainda conferem a Jair Bolsonaro um elevado grau de apoio dos brasileiros. As pessoas se mostram dispostas a desrespeitar as regras de isolamento social para se divertirem, mas não para comparecer a protestos.
A situação era assim também nos Estados Unidos no ano passado quando o Partido Democrata aprovou na Câmara o pedido de impeachment de Donald Trump. Sabia de antemão que ele seria rejeitado no Senado de maioria republicana.
No entanto, foi em frente. Levou em conta que seria um ano de eleição e que isso de todo modo desgastaria Trump. O desgaste não foi tão grande. Mas antes de tudo, pesou na decisão dos democratas que o certo sempre deve ser feito.
Essa é a razão pela qual outra vez o Partido Democrata quer aprovar o impeachment de Trump, embora ele esteja a poucos dias de deixar a Casa Branca para o presidente eleito Joe Biden. Dificilmente haverá tempo para isso, mas valeria pelo exemplo.
Uma vez que no próximo dia 1º sejam eleitas as novas direções do Congresso brasileiro, certamente deputados e senadores se verão diante do desafio de refletir sobre a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro.
Alega Rodrigo Maia (DEM-RJ), atual presidente da Câmara, que não haveria tempo até lá para que o processo fosse aberto. Bobagem! Maia guarda na gaveta mais de 20 pedidos que recebeu. Só depende dele escolher um e aceitá-lo.
Não o fará sob a alegação de que isso tumultuaria a eleição do seu sucessor. A questão será enfrentada pelo novo presidente da Câmara. Se Arthur Lira (PP-AL), candidato de Bolsonaro, se eleger, não haverá processo tão cedo.
Se o eleito for Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado por Maia, partidos do centro e da esquerda, o processo poderá ser aberto. Motivos para isso não faltam. Há aos montes. Se o processo não vingar, é o que menos importa. O certo deve ser feito.
A esse respeito, em conversa, ontem, com um grupo de devotos, Bolsonaro comentou: “Vocês não sabem o tamanho da minha paciência. Eu sou imbrochável, tá ok? Então, vão ter que me aturar. Só papai do céu me tira daqui, mais ninguém”.
Paciência é tudo o que ele não tem. Ninguém é “imbrochável”. Se por “papai do céu” quis se referir a Deus, fique sabendo que Deus, também citado no preâmbulo da Constituição que vige, deu autonomia aos humanos para que façam suas escolhas.
Melhor deixar Deus de fora disso. Fazer o certo só dependerá do Congresso.
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