Não há o que inventar: à luz dos dados e das evidências, o País precisa de reformas estruturais para sanear o ambiente de negócios e retomar o desenvolvimento econômico e social. Além disso, urge para políticas públicas capazes de mitigar os efeitos da grande crise, recolocando as pessoas no mundo do trabalho e ampliando seus horizontes no futuro. Bem ou mal, 2020 parece ter convencido parte do Congresso Nacional e dos formadores de opinião a esse respeito; percebeu-se que, ainda que não possa nem deva ser abandonada, a agenda fiscal não basta.
Mas nada é simples: mesmo ciente do óbvio, nos últimos anos o País tem ficado pelo caminho se arrastando de crise em crise. Na pandemia, um tolo maniqueísmo que contrapôs a saúde à economia atropelou a agenda e deixou sequelas na inteligência. Na miséria da política e no auge da indigência intelectual, ao final, nem a saúde nem a economia foram poupadas. Restou o pior de três mundos: quase 200 mil mortes, explosão do gasto fiscal e um extraordinário contingente de desempregados e desalentados, dependentes de mais recursos.
No Brasil, o óbvio precisa gritar mais alto: a economia depende da política e a política depende da liderança dos agentes, a começar pelo Poder Executivo. Jair Bolsonaro e seu governo, no entanto, precisariam se reinventar; mas a mostra de dois anos de mandato diz que isso é improvável. Não há curva de aprendizado a considerar, o presidente se mantém atado ao fel do ressentimento, ao negacionismo, ao senso comum; sua obsessão é a reeleição. O imperativo da Grande Política também grita, mas o bolsonarismo, desconhecendo o que é, não pode ouvi-lo.
À exceção de parte da imprensa e da opinião pública, a verdade é que, no Congresso Nacional e no meio empresarial, nenhum outro presidente recebeu tantos gestos de indulgência e tolerância. O Parlamento não apenas impediu erros crassos do governo, como melhorou medidas que, ao final, bancaram a popularidade do presidente, como o auxílio emergencial. O corporativismo e os desatinos vieram de Bolsonaro, não do Congresso. Em 2020, não foram armadilhas da oposição que pesaram, mas a ausência de governo.
A não ser por um possível esgotamento da tolerância e da indulgência, não há sinais de que todo o resto possa mudar. Para 2021, as condições gerais tendem a se repetir e o quadro a ficar mais dramático. Ademais, quando as fichas são depositadas no Centrão, qualquer esperança se dissipa: ao Executivo faltam ideias, iniciativa, habilidade; ao Centrão falta interesse para mudar. No melhor cenário, a estratégia será defensiva: diminuição de prejuízos políticos, no máximo a defesa do teto de gastos ou, paradoxalmente, seu desmoronamento em nome da popularidade, sem riscos de responsabilização do presidente.
Arthur Lira (PP-AL), candidato de Bolsonaro, não é liderança que se fez com ideias, princípios e bandeiras econômicas. Ele e seus aliados têm a oferecer apenas aquilo a que o governo pode recompensar. Não se trata de reformas e, provavelmente, sequer maioria no longo prazo – caso a popularidade despenque. O pacote do Centrão se resume à blindagem política e animação eleitoral, não passa por transformações que firam interesses nos grotões e currais eleitorais. Enquanto houver recursos, a voracidade fisiológica não encontrará saciedade. O “depois” fica para as calendas gregas; o compromisso do fisiologismo é sempre imediato e consigo próprio. Outro óbvio.
Também é óbvio que a vitória de Lira não é trivial; neste início de ano, é mesmo incerta. A despeito do poder da máquina federal, um triunfo de Rodrigo Maia, por meio da candidatura de Baleia Rossi (MDB), é bastante plausível. Evidente que o MDB e seu redor tampouco têm intolerância à lactose dos recursos federais. Mas os preços subirão e a relação será mais dura. Sobre Baleia, haverá maior pressão quanto às prerrogativas da Câmara e algum compromisso com a esquerda será inevitável. Mais que Maia, Rossi será cobrado a se posicionar diante de sandices e excessos. Claro que o debate reformista não estará obstruído, mas óbvio que nada se fará sem o cálculo de perdas e ganhos políticos: 2022 já começou e o bloco de Maia não estará do mesmo lado que Bolsonaro; logo o calor reformista da Câmara, na hipótese de favorecer o governo, obviamente, se abrandará. Mais provável é que crises entre Executivo e Legislativo sejam mais corriqueiras e mais tensas, talvez com maiores consequências do que até aqui.
Ao jogar Rodrigo Maia e seu grupo para a banda da oposição, Bolsonaro dispensou o parceiro da agenda que jamais foi capaz de elaborar. Resultado: perdeu apoio reformista e ganhou pressão fisiológica. A insensatez é o seu Norte. Isso sem mencionar o que arde fora do Congresso: o desastre da pandemia, o agravamento da crise econômica, a barafunda da vacina, a pressão de Estados e municípios, a crise social, as “rachadinhas”, os filhos, a ignorância ideológica; o isolamento internacional, a desinteligência com a China, a desafronta de Joe Biden. Óbvios que também gritam alto.
* Cientista político e professor do Insper
Conteúdo Completo
A vida de milhões de pessoas vai piorar em 2021
Os desafios da economia em 2021
Nunca estivemos tão perto e tão longe da reforma tributária
Política ambiental é entrave ao crescimento
Privatização mesmo só veremos nos governos estaduais
Reforma administrativa é a agenda que precisa caminhar
O governo Bolsonaro precisaria se reinventar, mas isso é muito improvável
O grande risco para o Brasil este ano é interno, e não externo
Política antiglobalista de Bolsonaro tem um preço
O que é bom para os EUA nem sempre é bom para o Brasil
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