Último jogo do ano.
Estádio lotado. Torcidas organizadas ecoando seus gritos de guerra: PAATIFES!!! MAAARICAS!!!
Do lado esquerdo da tela da TV, identificamos os Maricas.
Do lado direito, os Patifes. A grande maioria dos jogadores usava uniforme verdinho camuflagem, exceto um, que teimava em usar camisa preta, e confundia-se com os árbitros. Uma confusão danada. Às vezes parecia que ele era o árbitro, às vezes bandeirinha, as vezes jogador. Um inferno para diferenciar.
O técnico dos Patifes dava as últimas coordenadas à equipe, aos berros e aos palavrões, como era de seu feitio. Os torcedores o adoravam. Consideravam-no um “autêntico”.
– Vamos lá, pessoal, vamos massacrar os Maricas. Comecem pelos “shortinhos apertadinhos”. Entrem duro. Soco no olho, pisada na mão, tiro na testa, chute na canela, xingamento da mãe, vale tudo. Vocês já sabem como é que é. Quanto mais violência, melhor. A plateia adora. Aplaude. Delira.
Do lado dos Maricas, tudo desorganizado. Entraram em campo sem técnico, sem estratégia, sem uniforme, sem nada. Conseguiram consenso apenas num ponto: todos usariam máscaras em campo. Mas assim que saíram do vestiário, a torcida organizada do Patifes entrou em ódio coletivo. Os torcedores começaram a tossir e espirrar provocativamente. O jogo nem tinha começado e a confusão já estava armada.
Os animadores pediram silêncio. E que os torcedores parassem de tossir. Borrifaram álcool em gel no estádio inteiro, inclusive no gramado. E o jogo começou.
Os Maricas, sem liderança, tentavam lançar a bola ao gol, atabalhoadamente, sem jogo de equipe e sem sucesso. Todos se achavam inteligentíssimos e habilidosíssimos, e, assim, não necessitavam da ajuda de ninguém para chegar ao esperado gol. Alguns tinham estudado nos Estates; outros passaram apenas uma temporada em Paris ou em Miami; os mais simples se achavam mais espertos e puros que os outros e se recusavam terminantemente a passar a bola para os supostos letrados. Preferiam perder o jogo a ceder um pequeno passe. Não se encontravam. Rodavam em círculos, discutiam, brigavam e gol, que era bom, não saía.
No primeiro tempo os Patifes ganharam de lavada. O time jogava sem máscara e contava com um jogador muito habilidoso. Quieto, mas habilidoso. Tinha estratégia. Como usava blusa preta achava que podia conversar em “off” com o árbitro e com bandeirinhas, e eles nunca marcavam as faltas cometidas pelos jogadores do seu time. Só as do time adversário. As pessoas achavam aquilo um pouco estranho mas, como ele usava blusa preta, deveria saber o que estava fazendo. Afinal, era o Camisa 10 da Seleção. Quando ele falava ou pegava na bola , a galera dos camarotes e das arquibancadas mais baratas ia ao delírio.
O que ele não contava era com o VAR. E nem com os ciúmes do tresloucado técnico.
Num lance discutível, um jogador do Maricas, conhecido pelo seu temperamento difícil, começou a discutir e exigiu que se fizesse o tira-teima. Quando as gravações foram apresentadas, em câmara lenta, todos viram as conversinhas do blusa preta ao pé do ouvido do árbitro. As “tenebrosas transações”, como diria Chico Buarque. Escândalo total, embora ele insistisse em dizer que aquelas conversinhas eram normais. Coisa de jogador e árbitro. Ou árbitro e jogador. Ou os dois ao mesmo tempo.
No final do primeiro tempo, o técnico, enciumado, o tirou do time. Mas o cara não perdeu tempo. Tentou se bandear para o lado de lá ainda no mesmo jogo. Quis até ser o técnico do time adversário, mas a estratégia não deu certo. Ficou pra escanteio. Aguarda agora uma melhor oportunidade para voltar a campo.
Aos 45 minutos do segundo tempo o placar estava 2×2. Os Maricas tinham conseguido fazer o terceiro gol mas os Patifes conseguiram anular porque a Anvisabol (empresa que fazia o controle de qualidade das bolas) disse que a bola que foi chutada tinha procedência duvidosa. Nova confusão. Tentaram explicar que a bola era boa, tanto que atingiu a finalidade, o gol. Tudo em vão.
Apesar do placar, o técnico dos Patifes estava tranquilão. Via os jogadores desesperados, mas não mexia uma palha no time. Todos olhavam para ele e esperavam uma palavra, um incentivo, uma ordem, uma liderança. Ele apenas dizia:
– Pra que a pressa? Que gente mais ansiosa! Tá no finzinho, o gol vai sair.
O gol não saiu. Nem de um lado nem do outro.
A partida teria que ser resolvida nos pênaltis. Cada um chutaria do jeito que quisesse.
A plateia assistia. Imóvel. E esperava.
Talvez um dia ela se mova. Aí, meu amigo, sai de baixo.
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