sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

UM GOVERNO ALQUEBRADO


Felipe Salto, O Estado de S. Paulo

“O Brasil está quebrado. Eu não consigo fazer nada”, disse o presidente da República. Esse alarmismo prejudica o País, não apenas porque embute um erro conceitual, mas porque reforça o falso dilema entre responsabilidade fiscal e execução de políticas públicas. Soa como uma desculpa para justificar a inoperância do governo federal.

De fato, a dívida pública é elevada e crescente. Não será trivial fazê-la estacionar em relação ao produto interno bruto (PIB). Mas isso não significa que o País esteja “quebrado”. Os agentes econômicos continuam a comprar os títulos públicos, sob as leis da oferta e da procura, a juros e prazos condizentes com o quadro de risco e incerteza posto pelas condições externas e domésticas.

Não há, como no passado, dependência de empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) ou de outros tipos de socorro para financiar a dívida do governo. As reservas internacionais são elevadas e a dívida pública externa é mínima. É claro que a restrição fiscal existe e, no limite, o descontrole das contas públicas poderia alimentar a inflação, criando um problema grave para o financiamento do Estado.

Este último aspecto é o que deveria merecer maior atenção das autoridades competentes. Não é o caso de ligar a sirene e lavar as mãos. É o momento de reconhecer a fragilidade das contas públicas e forjar um plano de ação. Esse é, precisamente, o meio para fortalecer o Estado na sua tarefa fundamental de prover bens e serviços públicos essenciais, tempestiva e eficientemente. Sem contas públicas organizadas o Estado não para em pé.

Para 2021, até agora, não há sequer Orçamento aprovado, o teto de gastos (regra fiscal constitucional) corre risco alto de ser violado e o auxílio emergencial foi interrompido. É a tal lógica do “País quebrado”, do “não consigo fazer nada”, à guisa de justificativa para a dificuldade de tomar decisões difíceis. “Todos nós iremos morrer um dia”, chegou a dizer o chefe da Nação.

Alquebrado, o governo parece não ter aprendido que o combate à covid-19 deve ser liderado pelo Estado. Não entende que isso nada tem que ver com irresponsabilidade fiscal. Ao contrário, é preciso atuar firmemente para debelar a doença e, só assim, retomar o crescimento econômico. De outro lado, ter um plano de recuperação das contas públicas para o médio prazo. Mas não se faz uma coisa nem outra.

Nas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), o déficit primário (receitas menos despesas sem contar juros da dívida) deve ter encerrado 2020 em mais de 10% do PIB. A dívida, por sua vez, teria avançado de 12 a 15 pontos porcentuais do PIB entre 2019 e 2020. Vale dizer que o aumento foi amenizado pela aceleração da inflação no segundo semestre (o PIB nominal ficou mais alto e segurou a razão dívida/PIB). Os dados fechados de 2020 serão conhecidos no fim de janeiro.

Em 2021 o déficit deverá diminuir para 3,5% do PIB. Para transformá-lo em superávit, contudo, seria preciso anunciar um conjunto de ações em duas frentes: corte de gastos e aumento de receitas. Trata-se de algo para quatro a cinco anos, mas que tem de começar já.

O governo perde um tempo precioso ao ignorar que há muito por fazer. Listo aqui uma série de ações:

1) reduzir as renúncias tributárias;

2) interromper progressões automáticas no serviço público;

3) rever contratações programadas (lembrando que há mais de 50 mil preenchimentos de cargos públicos, na proposta orçamentária de 2021, a título de recomposição de aposentadorias);

4) cortar toda e qualquer remuneração superior ao teto salarial constitucional;

5) reformar o sistema tributário para torná-lo mais progressivo, com potencial ganho arrecadatório;

6) revisar os programas sociais e aumentar sua eficiência, em linha com a Lei de Responsabilidade Social proposta pelo senador Tasso Jereissati;

7) revisar todos os subsídios financeiros a partir de avaliação técnica;

8) adotar a revisão periódica de gastos públicos e estabelecer um plano fiscal de médio prazo, cortando programas que não dão resultado e abrindo espaço orçamentário para outras iniciativas, sobretudo na área de investimentos em infraestrutura.

O fato é que a falta de rumo paralisou o governo. Nem a chamada PEC emergencial, proposta por ele mesmo, avançou. Se bem desenhada, permitiria acionar gatilhos – medidas automáticas de corte de despesas – e fabricar tempo para a necessária discussão sobre a harmonização das regras fiscais vigentes. Ajudaria, sim, na formulação de uma estratégia de recuperação das contas públicas.

Em tempos de crise e em tempos normais, o atual governo mostrou-se incapaz. Justifica a apatia com frases feitas (erradas). Está atrasado nas decisões urgentes contra a covid-19, a exemplo das trapalhadas no plano de vacinação. Não age para redesenhar o futuro da economia brasileira.

É alentador saber que essa situação não durará para sempre. Poderá legar consequências irremediáveis, mas, como disse Winston Churchill, “o sucesso não é definitivo e o fracasso não é fatal. O que conta é a coragem de continuar”.

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