terça-feira, 30 de março de 2021

GUEDES INEXEQUÍVEL

Carlos Andreazza, O GLOBO

O inexequível Orçamento de 2021 parece arte de um Congresso que não dialoga com o governo. (Mas como, se já não há o sabotador Maia?) Paulo Guedes não gostou do produto, uma peça de ficção. A equação, porém, não fecha. Tem alguém sobrando – no caso, o ministro da Economia – ou mentindo.

Veja-se o lugar do relator do Orçamento, senador Marcio Bittar, na trama, ora já jogado ao mar – responsabilizado por aquela obra-prima das pedaladas. Temos memória, contudo. O mesmo Bittar, até ontem apregoado como parceiro, um dos símbolos, segundo Guedes, do Parlamento – o pior da história, repito eu – reformista. Tão parceiro que investido também da relatoria da PEC Emergencial, quase um secretário do Ministério da Economia – para assuntos fiscais – no Congresso. Hum...

Já aquela PEC indicava – sem margem para dúvida – os limites da parceria, afinal aprovado um texto que ratificava o fiscalismo do amanhã de Guedes. Ainda assim, o ministro ficou feliz. A PEC Emergencial era uma mensagem que – avaliava – precisaria dar. (Coisa de palestrante.) Pouco importando os seus impactos fiscais de 2025. Pouco importando – talvez de olhos tapados – o quanto de espaço no Orçamento (terrenos na lua) precisou vender para ter a aprovação de seu recado ao mercado.

Aí, por aí, a equação começa a se encaixar – o mentiroso ficando para a decifração do leitor. (Sou educado.)

E então o Orçamento. Feito pelo governo – não tenhamos dúvida – e com o aval do Ministério da Economia, permanentemente informado da forma que tomava o monstrengo. O mesmo Ministério da Economia, comandado pelo mesmo ministro, que está a serviço – aí, sim, para impacto fiscal imediato – da reeleição de Bolsonaro; projeto de reeleição que se confunde com a sociedade do governo com o Centrão. Pronto. Monstrengo.

O Orçamento para 2021 – que já nasce contingenciado e com setores (que não o da Saúde) privilegiados – é o símbolo desta sociedade. Quem acompanha este escriba sempre soube que a parceria entre Bolsonaro e Centrão tendia, por natureza, à defesa de interesses corporativistas e à progressiva mitigação de marcos fiscalistas, até a morte, por irrelevância, do teto de gastos; e sem que a sanha por dinheiros para investir derivasse de preocupações com a pandemia. Aí está.

O Orçamento não é peça traidora de uma sociedade; mas a sua própria afirmação. A sociedade Bolsonaro/Centrão, afirmada, nunca teve qualquer preocupação com austeridade – e nem Guedes é verdadeiramente uma barreira à irresponsabilidade fiscal. A parceria Bolsonaro/Centrão, com Guedes, com tudo, é Brasil Grande – e nasce da ascensão da influência política de Rogerio Marinho e seus tarcisios no governo.

Ninguém sobrou. Mas quem fica sabe o que faz – e fez.

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