Quando assumiu pela primeira vez a presidência da República, em janeiro de 2003, tendo como vice o empresário José Alencar, Luiz Inácio Lula da Silva colocou — e manteve — um banqueiro no Banco Central — Henrique Meirelles, depois ministro de Michel Temer e hoje secretário de João Doria. Na pasta da Fazenda, após uma civilizada transição com Pedro Malan, deixou Antônio Palocci, que cumpriu uma rigorosa política fiscal de seguidos superávits. No Congresso, seu governo defendeu e aprovou reformas na Previdência e na administração.
Paralelamente, Lula foi cumprindo sua agenda social, distribuindo renda, reajustando o valor real do salário mínimo, criando o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, dando acesso a milhões de jovens de famílias pobres à universidade. Mas o pessoal do chamado andar de cima também não teve do que reclamar. A economia cresceu, os bancos continuaram lucrando como nunca, o empresariado frequentava o Planalto… Não fez, absolutamente, um governo radical de esquerda, e todo mundo com um pingo de honestidade intelectual sabe disso.
Dez anos depois de Lula deixar o poder, talvez até um pouco antes, com a ascensão da direita, setores importantes da sociedade e da mídia passaram a tentar empurrar ao país a narrativa de uma ameaçadora “ polarização” entre extrema direita e extrema esquerda — vitimizando as forças de centro que, sufocadas, coitadinhas, não conseguiriam abrir espaço entre essas duas forças. Esse discurso agora anuncia a “repetição de 2018”, como se o professor universitário com tinturas de social democrata Fernando Haddad tivesse feito campanha com a foice e o martelo nas mãos. Assim como Lula não fez, e Dilma Rousseff também não, Haddad absolutamente não faria um governo radical de esquerda.
Jair Bolsonaro é, de fato, um radical extremista de direita, e essa posição vem sendo marcada e reafirmada a cada dia nesses dois anos de governo. Se for para o segundo turno, vai “polarizar” com alguém, que pode ser Lula. É normal nas democracias quando os dois candidatos mais fortes se confrontam e atraem os eleitores que poderiam estar no meio. Isso nada tem a ver com radicalização, e às vezes ocorre contrapondo candidatos de linhas ideológicas até semelhantes.
Lula está longe de ser um extremista de esquerda, e o país inteiro sabe que ele não é um Bolsonaro com sinal contrário. Que raio de “polarização” é essa, então?
A falsa “polarização” é uma tentativa desonesta de setores de centro e da direita limpinha e cheirosa para meter medo naquele cidadão que, com razão, não gosta de radicais hidrófobos. Uma narrativa simplificadora que precisa empurrar o ex-presidente para uma zona de radicalismo e tentar igualá-lo a seu principal concorrente nesse momento. Entre dois horrores, haveria espaço para alguém do campo de centro que, até agora, não deu o ar de sua graça.
Um dos maiores desafios de Lula, nesses 18 meses que o separam da eleição, é desconstruir a “polarização” ideológica radical inventada por setores antipetistas do establishment — os mesmos que, lá atrás, não hesitaram em levar o país para o buraco apoiando Jair Bolsonaro.
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