quarta-feira, 14 de abril de 2021

AGORA, AGORA E MAIS AGORA, STF

Conrado Hübner Mendes, Folha de S.Paulo

A urgência do STF do presente não é mais decidir casos conforme critério transparente e previsível de prioridade. O STF tem urgência em sobreviver como instituição relevante.

Submetidos a assédio permanente, em público e nos porões, de presidente da República que comete crimes comuns e de responsabilidade em série, ministros não dispõem de equipamentos potentes de autodefesa.

Um inquérito heterodoxo foi tudo o que puderam tirar da cartola. Não bastassem inimigos externos, apoiados pelo gangsterismo militar e falanges robotizadas, o STF tem que neutralizar inimigos internos, seus cabos e soldados íntimos.

Agora, agora e mais agora? Essa pergunta dá título a um dos grandes podcasts da pandemia, narrado pelo historiador Rui Tavares. Ele relata “histórias da história”, episódios do último milênio em que pessoas viviam um presente tomado por fanatismo, ódio e intolerância.

 “Agora, agora e mais agora” serve também para expressar o senso de urgência em grau máximo que deveria nortear o comportamento do tribunal diante do precipício. Mais do mesmo deixará o STF ao sabor do acaso. Manter a liturgia da normalidade não disfarça mais nada. Melhor perceber o que o enfraquece e investir no que lhe dá força.

A característica determinante da fragilidade do tribunal está na constatação de que o “STF”, como instituição colegiada, quase não existe. O que chamamos de STF, boa parte do tempo, não passa de um agregado lotérico de ações ou omissões individuais. Isso fragiliza o tribunal não só pela irracionalidade burocrática, mas pela excessiva personalização de cada gesto.

O tribunal é cobrado não por obediência a precedente, à jurisprudência ou a argumento constitucional qualquer, mas pelas afinidades de Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Rosa Weber, Cármen Lúcia etc. Cada decisão ganha uma cara, um temperamento, um endereço privado.

Tribunais não precisam funcionar assim. Converter as partes num todo, ou 11 ministros num STF, é mágica institucional decisiva para a reputação e a autoridade de um tribunal. Mais do que qualquer outra instituição democrática, um tribunal deve adotar métodos que façam o todo ser mais respeitável que as partes e também a soma das partes.

Registros da história do heroísmo judicial destacam juízes que conseguiram liderar colegiados em situações de risco, imprevisibilidade e mudança. Nunca o que fizeram sozinhos.

Os exemplos clássicos de John Marshall e Earl Warren da Suprema Corte americana não são maiores do que as experiências de Aharon Barak, na Suprema Corte israelense, de Carlos Gaviria, na Corte Constitucional colombiana, de Albie Sachs e Arthur Chaskalson, da Corte Constitucional sul-africana, de Rosalie Abella na Suprema Corte canadense.

Tampouco são maiores do que Pedro Lessa, Victor Nunes Leal e Sepúlveda Pertence na história do STF, ou mesmo Ribeiro da Costa, que teria prometido fechar o tribunal e entregar a chave ao ditador Castelo Branco se decisão do STF não fosse cumprida.

Há reformas que o STF poderia fazer já, por sua conta. Depende de desapego e liderança para republicanizar a agenda, reprimir a obstrução do cabo e do soldado e tomar decisões corajosas com sofisticação jurídica e o selo do colegiado. A angústia de olhar para o tribunal em busca de arrojo e liderança e lá encontrar Luiz Fux, Dias Toffoli e Gilmar Mendes não é razão para desistir.

Hoje o colegiado do STF decide se mantém a decisão monocrática de Barroso que reconhece direito de minoria do Senado de abrir CPI e o dever de Rodrigo Pacheco de abri-la. Rumores dizem que o STF vai “modular” essa decisão elementar e dar ao Senado a liberdade para ampliar o objeto da investigação e postergar a CPI.

Seria um “caminho do meio” para atender a Bolsonaro, que prometeu dar porrada em senador e induziu falsa equivalência entre os deveres de abrir CPI e abrir impeachment (não os 111 pedidos de impeachment contra ele, mas os pedidos contra ministros do STF). Com base na fórmula “ou bota tudo ou zero a zero”, mandou o recado.

Cair na arapuca juvenil tramada por senador e presidente da estatura de um Kajuru e um Bolsonaro é melancólico demais para qualquer biografia. Melancólico sobretudo para um tribunal que, se não tem das histórias mais admiráveis nos anais da Justiça, exibe um orgulho espalhafatoso em cada cerimônia, um êxtase da autoimportância em cada discurso. É cafona e arcaico, mas não precisaria ser covarde.

*Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.

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