Não consigo deixar de quebrar a cabeça para explicar nosso fracasso diante da pandemia. Pareço aquele personagem do romance de Vargas Llosa “Conversa na catedral”. Ele se debate com a pergunta: “Em que momento o Peru se fodeu?”.
Cada semana enveredo por uma trilha nova, sem saber direito onde dará essa patética aventura.
Alguns textos estimulam minha busca. Um deles é da economista Mariana Mazzucato, que, ao falar da importância de uma ação nacional coordenada, usa como exemplo o esforço americano para colocar o homem na Lua.
O livro dela chama-se “Missão economia” e pretende ser um guia para mudar o capitalismo. No prefácio, ela comenta a experiência vitoriosa do Vietnã contra a Covid-19, baseada na capacidade de unir todas as energias nacionais numa só direção.
Por minha conta, dei um balanço também em alguns momentos de êxito dos britânicos na pandemia. Um deles foi a capacidade de articular a energia e a criatividade no processo de conseguir vacinas e realizar a vacinação em massa. Outro foi o êxito em evitar, no auge da crise sanitária, que houvesse um colapso no sistema hospitalar.
Ambos os processos de vacinação e gestão de hospitais no Reino Unido foram capitaneados por mulheres. Mas envolveram um esforço mais amplo. Daí minha interrogação: sera que tanto o Vietnã como o Reino Unido não se aproveitaram da memória das guerras que viveram e encontraram mais facilidade para um esforço nacional?
Por meio de outro texto, tentei fazer o caminho oposto: examinar o fracasso de alguns países, como os Estados Unidos e o Brasil, que perderam muito mais gente na pandemia.
Refiro-me a um artigo publicado no ultimo número da “Foreign Affairs”, com o título de “O poder partido, como superar o tribalismo”, de Reuben E. Brigety. De forma simplificada, uma das características do tribalismo é o patrulhamento constante entre os membros de uma tribo, o que evita a possibilidade de cooperar com um adversário para o bem comum.
A superação do tribalismo pode se encontrar na coragem dos líderes, como nos processos da África do Sul e da Irlanda. Ou então na ajuda de entidades mediadoras. Mas tanto Trump quanto Bolsonaro jamais levariam em conta esse aspecto, precisamente porque sobrevivem na divisão.
Nem um nem outro jamais pensou em saída nacional e solidária, simplesmente porque isso implica dissolver diferenças secundárias em nome da tarefa de salvar vidas.
Já havia mencionado em alguns artigos como essa polarização intensa nos torna incapazes de certas conquistas. No caso americano, além de reduzir seu potencial, abre um flanco para a exploração dos inimigos externos.
No exemplo brasileiro, esse fator inimigo externo não tem tanto peso. São tantas as agressões entre nós, tantos insultos à razão e à lógica elementar, que um inimigo externo descansaria na certeza de que fatalmente nos autodestruiremos.
Uma das mais delicadas tarefas de Joe Biden é superar o tribalismo na política americana. E creio que a experiência de nosso fracasso na luta contra a pandemia aponta para a mesma direção no futuro: recriar as condições para que, em determinados momentos, possamos agir como um só país, com energia concentrada para derrotar um inimigo comum, seja ele um vírus, um desastre ambiental ou um grande sofrimento popular.
Quando o radicalismo de Bolsonaro e seus adeptos for superado, creio que, de todos os temas com que trabalho, a proteção ao meio ambiente e a sustentabilidade, ao lado da luta por melhorias reais da condição de vida, podem ser a base de um novo pacto. Ecologia e responsabilidade social.
Não creio que isso nos levaria a um mundo totalmente pacificado, muito menos ao paraíso.
Creio apenas que aqui fomos muito longe em nossa experiência infernal. Não me pergunto apenas quando é que o Brasil se fodeu, mas também por que se fodeu tanto.
Artigo publicado no jornal O Globo em 12/04/2021
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