Em tese, ao menos, existem motivos de sobra para que se instale uma CPI da Covid-19 no Senado. Não há nenhuma dúvida de que a catástrofe sanitária em curso no país foi alimentada, quando não incentivada, por decisões irresponsáveis do governo federal e de outras esferas do poder público.
São gritantes os erros e a atuação deletéria do presidente da República. Desde o início da pandemia, Jair Bolsonaro, a quem caberia a responsabilidade maior de organizar do modo mais racional e eficaz possível o combate à disseminação do vírus, insiste num negacionismo obtuso, falseia dados, mente e promove mistificações.
As consequências são desastrosas —o Brasil registra número avassalador de mortes e falhas na prestação de serviços de saúde e no planejamento da vacinação.
As comissões parlamentares de inquérito são um instrumento disponível para que o Legislativo exerça sua função fiscalizadora. Permitem apurar desmandos e encaminhar à Justiça responsabilidades passíveis de punição.
A superfície já por si escandalosa da atuação federal na crise sanitária indica, com ênfase, a possível existência de fatos desconhecidos ou mal esclarecidos a elucidar.
É preciso, contudo, observar com boa dose de ceticismo o processo que ora se inicia. As CPIs acumulam evidências de politização contraproducente, conchavos obscuros e desfechos inconclusivos.
Verdade que investigações dessa natureza já tiveram momentos de protagonismo, em especial na década de 1990 —como nas averiguações sobre Paulo César Farias, que levaram ao impeachment do presidente Fernando Collor, em 1992.
Deploravelmente, casos subsequentes deslizaram para o espetáculo fácil e ruidoso, fazendo das comissões palco para ameaças, ofensas, chantagens e negociação de interesses entre grupos políticos e Poderes da República.
Citem-se aqui, a título de exemplo, as três CPIs criadas com o intuito de investigar esquemas do chamado Petrolão na administração petista, que em nada contribuíram para a apuração de desmandos.
Pesa ainda o fato de que a instauração da CPI da Covid tenha sido fruto de uma determinação do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.
Há argumentos constitucionais que amparam o magistrado, dado que estavam reunidas as assinaturas necessárias para a instalação da comissão parlamentar.
Entretanto não deixam de causar incômodo interferências do Supremo na seara de outros Poderes. Nesse sentido, convém que o plenário da corte examine o tema com presteza e serenidade.
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