O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello mentiu várias vezes em seu depoimento à CPI da Pandemia. Em dois dias de oitiva, o general intendente, mesmo estando sob juramento, inventou respostas para questões sobre os mais variados temas – o relator da comissão, senador Renan Calheiros, apontou nada menos que 14 ocasiões em que Pazuello “mentiu flagrantemente” e “ousou negar suas próprias declarações”.
O repertório de imposturas é vasto. As mais relevantes dizem respeito à negociação para a compra de vacinas. O ex-ministro negou o que está fartamente documentado – que o governo ignorou ou boicotou diversas ofertas de imunizantes.
Pazuello chegou a dizer que o presidente Jair Bolsonaro “nunca” lhe deu ordem para interromper as conversas com o Butantan para a aquisição da Coronavac, fabricada pelo instituto paulista em parceria com a China. Confrontado com a lembrança de que Bolsonaro publicamente, e de maneira enfática, disse que jamais compraria a “vacina chinesa”, o ex-ministro teve a ousadia de argumentar que essa declaração do presidente não constituía uma ordem para cancelar a compra da Coronavac, e sim apenas uma “posição do agente político (Bolsonaro) na internet”.
Aos fatos. A primeira proposta do Butantan ao governo federal foi feita em julho do ano passado. Somente no dia 19 de outubro, o Ministério da Saúde assinou com o instituto um protocolo de intenções para adquirir 46 milhões de doses da Coronavac. O entendimento foi anunciado numa reunião de Pazuello com governadores no dia seguinte. Ato contínuo, Bolsonaro informou que havia mandado cancelar o protocolo: “Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”. Depois, gravou um vídeo com Pazuello em que o intendente declarou sobre o assunto: “Um manda, o outro obedece”. Mais claro, impossível.
Pazuello ofendeu a inteligência alheia a respeito de diversos outros temas, do desabastecimento de oxigênio em Manaus que resultou em muitas mortes até a campanha irresponsável pelo uso de remédios sem eficácia. O ex-ministro tinha um habeas corpus para se manter calado, de modo a não produzir provas contra si mesmo, mas aparentemente preferiu mentir o tempo todo, produzindo inúmeras provas de que a mendacidade é o que melhor traduz o governo Bolsonaro.
Isso já havia ficado evidente no depoimento do ex-chanceler Ernesto Araújo, quando ele teve a coragem de negar que ajudou a criar inúmeras rusgas com a China – nosso principal parceiro comercial e origem dos insumos para a fabricação da vacina responsável por 80% da imunização no Brasil até este momento. A senadora Kátia Abreu chamou Araújo, muito apropriadamente, de “negacionista compulsivo”.
Assim, a CPI está sendo extremamente útil para que os brasileiros afinal se convençam de que estão sendo governados não apenas por mitômanos, mas por um grupo político que milita ferozmente contra a verdade. A mentira não é acidental ou circunstancial. Não é contada para escapar de situações constrangedoras ou para enganar eleitores na disputa por votos. É a essência da estratégia bolsonarista de destruição dos alicerces da democracia.
Não é possível alcançar consensos democráticos e formular políticas públicas realistas num ambiente em que o embuste é a norma e quando o debate público é travado com base em mentiras escandalosas produzidas por quem tem máxima autoridade política, como o presidente da República e seus ministros. Como informou singelamente o próprio ex-ministro Pazuello, as palavras do presidente Bolsonaro ditas em público são apenas “coisa de internet” – portanto, não devem ser levadas a sério.
Ou seja, a Presidência é ocupada hoje por um animador de auditório, que, de novo segundo o intendente Pazuello, “diz o que vem à cabeça”, para êxtase de seus fanáticos seguidores. E, ao contrário de ser cômico, esse comportamento é trágico. O quase meio milhão de mortos pela pandemia e a indiferença de parte da sociedade com a perda de 2 mil vidas por dia são o resultado da progressiva desmoralização da verdade.
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