A CPI da Covid possibilitou, ao longo da semana, uma retrospectiva dos maiores erros no combate à pandemia. Um deles foi a restrição aos dados sobre o coronavírus. O episódio ocorreu em junho do ano passado, já na gestão do ministro Eduardo Pazuello. Alguns veículos de imprensa se rebelaram contra o ato autoritário, reuniram-se num consórcio – do qual o Estadão faz parte – e garantiram o acesso às informações básicas, essenciais para a criação de políticas eficazes na área de saúde.
Foi possível lembrar também de alguns acertos, como o auxílio emergencial. Ele é fruto de um movimento que juntou 163 organizações sociais de perfis diversos – dos coletivos da Coalizão Negra por Direitos ao Instituto Ethos, que congrega empresários. Acadêmicos reunidos por essas entidades ajudaram o Congresso a desenhar e a viabilizar o auxílio, importantíssimo para que trabalhadores informais seguissem o isolamento social. Estudos mostraram que em países como o México, onde não houve política semelhante, a pandemia se espalhou mais entre os cidadãos vulneráveis.
As organizações sociais, a academia e a imprensa formam o que os especialistas chamam de “sociedade civil”. No Brasil, ela é especialmente forte. “A sociedade civil se contrapunha ao Estado na época da ditadura e ajudou a acabar com o regime militar. Na democracia, sua participação foi institucionalizada com a Constituição de 1988, e ela passou a atuar junto com os poderes eleitos”, diz a cientista política Thamy Pogrebinschi, personagem do minipodcast da semana.
Em 1988 criou-se uma arquitetura de participação política no Brasil, que gira em torno de Conselhos Nacionais e Conferências de Políticas Públicas. Tais instituições começaram a ter destaque no governo Collor, o primeiro da redemocratização, quando surgiu o Conanda, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Nas Presidências de Fernando Henrique e Lula as instâncias participativas se multiplicaram. Os casos do auxílio emergencial e do consórcio da imprensa mostram, no entanto, que a sociedade civil não precisa do beneplácito dos presidentes para se mobilizar.
Algumas das leis mais aplaudidas do Brasil atual se beneficiaram do ambiente participativo. “O Marco Civil da Internet, que usou tecnologia digital para incluir qualquer pessoa interessada na formulação colaborativa de uma legislação complexa, mostra como a participação da sociedade civil pode levar a resultados inovadores”, diz Pogrebinschi. Ela vive na Alemanha, onde coordena um projeto sobre inovação política na América Latina no Berlin Social Science Center.
A pujança da sociedade civil brasileira é aplaudida em fóruns internacionais. O governo Bolsonaro não sabe aproveitar esse potencial. Não sabe ou não quer. Em abril de 2019, o presidente decretou um “revogaço”, que inviabilizou grande parte da estrutura de participação criada em 1988. Talvez por achar que “conselhos” são coisa de “comunista” – aos que temem o comunismo da mesma forma que crianças se assustam com o Homem do Saco, vale lembrar que a União Soviética acabou em 1991. Um medo retrógrado inibe, assim, uma força inovadora.
Com mobilização e conhecimento fica mais fácil achar soluções para os inúmeros problemas brasileiros. Estaríamos melhor – incluindo o combate à pandemia – se o governo não hostilizasse a academia, a imprensa e as organizações sociais.
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