Manda quem pode, obedece quem tem juízo. O presidente Jair Bolsonaro mandou o ministro Marcelo Queiroga, da Saúde, demitir a médica Luana Araújo, que assumira há menos de 10 dias a Secretaria de Enfrentamento à Covid-19. Queiroga, que tem juízo e não quer perder o emprego, obedeceu.
Era visível seu constrangimento quando anunciou a demissão por meio de uma nota oficial que não explicou o motivo da dispensa, limitou-se a registrar:
“O Ministério da Saúde informa que a médica infectologista Luana Araújo, anunciada para o cargo de secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, não exercerá a função. A pasta busca por outro nome com perfil profissional semelhante: técnico e baseado em evidências científicas.”
Ora, se Queiroga quer alguém à imagem e semelhança de Luana, por que não ficou com ela? Eis a razão: a secretária sempre criticou sem papas na língua o uso da cloroquina contra o vírus. E Bolsonaro só se deu conta disso depois de sua posse no ministério. A autonomia que prometeu dar a Queiroga era vidro e se quebrou.
Em nota divulgada no seu perfil no Instagram, Luana disse:
“Em meu discurso de apresentação, fiz questão de evidenciar minha postura técnica, baseada em evidências, pautada pelo juramento médico que fiz e que norteia todas as minhas atitudes. Vejo a ciência como ferramenta de produção de conhecimento e de educação para a priorização da vida”.
À noite, em entrevista coletiva à imprensa para falar de medidas sobre a variante indiana da Covid, Queiroga negou que tenha sido obrigado a demitir Luana:
“Não tem pressão do Palácio do Planalto. Esse é um assunto que considero encerrado.”
Ante a insistência de um repórter em querer mais detalhes, Queiroga foi ríspido:
“Já falei sobre a doutora Luana. Esse é um assunto que nós consideramos encerrado. Não vou mais abordar esse assunto.”
Não é de hoje que Bolsonaro surpreende ministros com decisões que os contrariam, deixando-os expostos ao desgaste público. Mal assumiu o Ministério da Justiça, o ex-juiz Sérgio Moro teve que afastar a mando de Bolsonaro uma socióloga que convidara para um posto não remunerado em um conselho.
Em abril de 2019, Bolsonaro demitiu pelas redes sociais o diretor de marketing do Banco do Brasil porque não gostou de um comercial que vira na televisão. Em junho daquele ano, em conversa com um grupo de devotos à saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro declarou sem que lhe perguntassem:
“Eu já estou por aqui com o [Joaquim] Levy. Falei pra ele demitir esse cara [Marcos Barbosa Pinto] na segunda-feira ou eu demito você, sem passar pelo Paulo Guedes”.
Escolhido por Guedes, ministro da Economia, Levi era o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômica e Social, e Barbosa Pinta, um executivo que trabalhou nos governos do PT. Guedes tentou contornar a situação criada por Bolsonaro, mas Levi preferiu pedir demissão. Saiu sem atirar em ninguém.
A proposta de fechar 112 agências e desligar 5 mil funcionários custou, este ano, a cabeça de André Brandão, presidente do Banco do Brasil, outro escolhido por Guedes, menos de quatro meses após sua posse. Brandão agonizou entre janeiro e março, mas acabou tendo de ir embora. Outra vez, Guedes engoliu a seco.
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