Dissecar o processo decisório de qualquer presidente da República é um exercício irresistível.
Fica mais fácil entender como o governante conduz sua gestão, tenta lidar com os desafios do país ou cria problemas para si. O objeto natural de pesquisa neste momento é, por óbvio, o presidente Jair Bolsonaro. E essa reflexão pode mostrar o que o enfrentamento da pandemia e a demora em definir por qual partido disputará a eleição de 2022 dizem sobre sua personalidade.
Antes, porém, alguns exemplos da história recente. À cabeceira da mesa, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva portava-se como mediador. Ouvia e deixava ministros com posições divergentes irem para o confronto. Analisava a reação da sociedade, dos setores envolvidos e do meio político para, então, agir. Saía-se quase sempre incólume das disputas naturais que envolvem a decisão de um chefe de Estado.
Dilma Rousseff trilhou outro caminho. Ficou notória a demora da ex-presidente para tomar decisões. Seus ministros reclamavam – sobretudo em conversas informais, claro – das extenuantes “sessões de espancamento” pelos quais seus projetos eram submetidos. Dilma opinava sobre tudo e pouco ouvia. Exigia que sua palavra se sobrepusesse. Acabou praticamente sozinha, afastada do cargo.
Efetivado o impeachment de Dilma, Michel Temer assumiu a Presidência com apoio da maioria do Congresso. Tomava decisões depois de se aconselhar com auxiliares de confiança e líderes aliados. Em pouco tempo, levou adiante reformas que há anos estavam empacadas.
Vê-se, agora, um novo estilo em ação. Bolsonaro confia em poucos e se cerca dos filhos e de um grupo restrito. Seu governo é afeito a balões de ensaio, mas nenhum deles pode ir contra o que o presidente acredita ou considera ser o politicamente viável.
Recentemente, Bolsonaro decidiu intensificar sua interlocução com os demais Poderes, mas o movimento não foi suficiente para impedir que o Senado instalasse uma comissão parlamentar de inquérito. E justamente a CPI da Covid tem evidenciado um dos aspectos mais marcantes do seu modo de atuação.
Aos poucos, a autópsia vai demonstrando que a ação de Bolsonaro tem um duplo padrão. Em público, o presidente fala ao eleitor que já lhe é fiel. Despista e bravateia. Camuflado, age nos bastidores de modo oposto.
Exatamente o que se viu nas negociações para a aquisição de vacinas. A apoiadores, Bolsonaro maldisse os imunizantes. Em privado, segundo relatos colhidos, deu ordens a subordinados em sentido inverso, de maneira a neutralizar uma eventual responsabilização por omissão ou dolo.
Bolsonaro já havia surpreendido quando deixou vazar supostas preferências, mas decidiu nomear para ministérios ou cargos estratégicos pessoas que acabaram sendo poupadas do escrutínio público. Foi o caso da indicação de Kassio Nunes Marques para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
Esse estilo está também presente em sua articulação política. Depois de fracassar na tentativa de criar seu próprio partido, Bolsonaro passou a dizer em eventos que está se aproximando do PP, do qual já fez parte e onde não deixou saudade quando saiu.
Do ponto de vista do PP, o presidente da República pode ajudar a sigla a ter a maior bancada da Câmara e, assim, permanecer à frente da Casa na legislatura que terá início em 2023. Por outro lado, Bolsonaro pode exigir presença nas instâncias decisórias da sigla e possivelmente não chegaria bem acompanhado. Isso preocupa setores do partido.
Em silêncio, Bolsonaro também investiu tempo na busca por uma casa menor. Foram sondados o Patriota, o Partido da Mulher Brasileira e até o PRTB, que abriga o vice-presidente Hamilton Mourão. Suas exigências, contudo, têm criado obstáculos para o avanço das negociações.
Alguns partidos são conduzidos como empresas familiares por seus dirigentes, que não aceitam ceder poder. O presidente quer comandar os rumos da próxima sigla à qual se filiará e, também, suas finanças. Situação semelhante ocorreu em 2018 e inviabilizou a ida para o PL do então deputado federal que pretendia concorrer à Presidência. Ou provocou seu racha com o PSL depois de eleito.
Essa é, inclusive, outra característica do presidente a ser examinada pela CPI da Covid: a insistência em deixar claro, sempre que pode, quem manda e quem obedece nas relações que estabelece.
Aliados esperam que Bolsonaro defina logo seu destino. Pedem que, prioritariamente, ele chegue a um acordo com uma sigla de grande porte. A demanda é por um partido capaz de encabeçar uma grande coligação e que detenha um fundo partidário robusto. Torcem para que Bolsonaro não repita o voto de pobreza na próxima campanha.
Existe a certeza, na base aliada, que o pleito do ano que vem terá características distintas. As redes sociais terão sua importância, mas o tempo de propaganda em rádio e televisão pode ser decisivo para Bolsonaro ampliar sua rede de eleitores. “Agora ele é governo. Precisa de tempo de televisão para mostrar o que fez. Tem muitas realizações, mas o Brasil como um todo não conhece o que o presidente já entregou e o que fez”, explica um interlocutor do mandatário.
Bolsonaro tem recebido de aliados a recomendação de filiar-se logo ao PP ou fazer as pazes com Luciano Bivar, presidente do PSL. Rápido.
A indefinição tem consequências. Com a popularidade em um patamar relativamente baixo, Bolsonaro pode ter um menor poder de barganha para negociar com os profissionais da política.
Como chefe do Poder Executivo, tem instrumentos para mudar a situação. Mas, as possibilidades vão escasseando com o passar do tempo, a despeito do maior espaço fiscal que é previsto para o próximo ano. O cenário também dependerá da vacinação e do esperado controle da pandemia. Enquanto isso, pré-candidatos a governador, deputado e senador estão fazendo as contas dos ganhos e prejuízos eleitorais que terão ao vincular suas imagens à do presidente.
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