A eleição de 2018 se resolveu com o fígado. A de 2022, ao que tudo indica, será decidida pelo estômago. A realidade da fome ou da insegurança alimentar de milhões de brasileiros está posta à mesa do debate político. Isso explica mais que tudo a dianteira alcançada por Lula nas intenções de votos. E pode determinar o rumo do desgoverno de Jair Bolsonaro daqui por diante.
Paulo Guedes continua encenando o papel de um ministro liberal num governo que já não faz questão de disfarçar seu verdadeiro caráter: negacionista na gestão da pandemia, reacionário nos costumes, autoritário na política, populista e fisiológico no trato da coisa pública e alheio a pautas que dizem respeito à inserção do país na agenda econômica e geopolítica do século 21.
O ministro já entendeu que é a eleição a única coisa que interessa a Bolsonaro, e que terá de fazer o jogo se quiser continuar onde está. Diante da cada vez mais delicada situação eleitoral do chefe e da inflação galopante de alimentos, que só faz com que essa situação se deteriore mais, Guedes terá de se dedicar única e exclusivamente a entregar uma versão turbinada e de grande potencial de votos do Bolsa Família lulista.
A volta do auxílio emergencial não resolveu em nada a emergência social do país e ainda teve um efeito contrário do ponto de vista político. “Quem recebia R$ 600 no ano passado e agora recebe R$ 150 ou R$ 250 está com ódio de Bolsonaro”, me disse um político do Centrão.
Não só o valor é nominalmente uma fração do anterior, como tudo aumentou. A inflação do dia a dia do eleitor é muito maior que a medida pelos indicadores oficiais, sobretudo a do prato de comida. É isso, combinado à falta de vacinas (que se traduz também em falta de emprego e de perspectiva de luz no fim do túnel), que explica a draga na popularidade de Bolsonaro.
“Quem comeu lembra o que comeu.” Essa frase me foi dita não por nenhum marqueteiro ou político, mas por um parente próximo, que vive na pele os efeitos do desemprego e da carestia. É essa lembrança de um passado não distante, em que havia proteína animal no carrinho de compras, os filhos tinham acesso a crédito estudantil e existia a perspectiva de ascensão social, que explica por que Lula está sendo perdoado pelo eleitor, ainda que não esteja absolvido pela Justiça, como prega a narrativa petista.
Dirigentes do DEM receberam nesta semana o resultado de uma ampla pesquisa qualitativa que analisa o cenário de 2022 para Bolsonaro, Lula e eventuais candidatos alternativos.
Chamou a atenção quanto a decisão de não votar de jeito nenhum em Bolsonaro está consolidada: 49% a manifestam. A rejeição a Lula também é alta, na casa de 35%.
Quando a pesquisa começa a investigar as preocupações do eleitor, um fator emerge sobre todos os demais: inflação, inflação, inflação. E a força de Lula é associada diretamente ao período em que ela estava controlada. “Os políticos todos roubam, mas pelo menos no tempo do Lula…” é a frase que mais foi colhida, com suas variações.
“A inflação do estômago é o grande cabo eleitoral do Lula”, me disse uma pessoa que analisou a pesquisa. Qualquer marqueteiro consegue trabalhar isso de forma clara, basta lembrar os filmes com a comida sumindo do prato que João Santana fez em 2014 na campanha de Dilma Rousseff, que serviram para fustigar Marina Silva.
Bolsonaro é tudo de ruim, mas não é bobo e não queima cédula de papel. Vem aí a pressão máxima do presidente sobre o Posto Ipiranga para roubar do principal rival esse atributo, nem que seja preciso arrombar o que resta do cofre e implodir qualquer miragem de equilíbrio fiscal. Só por isso, aliás, o Centrão ainda está fazendo hora extra em seu barco prestes a adernar.
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