Inflação esfola o trabalhador, o desemprego o esmaga. Esses dois infortúnios só raramente ocorrem ao mesmo tempo – e juntá-los tem sido um dos feitos memoráveis do atual governo. Enquanto o presidente passeia sem máscara, provoca ajuntamentos e comanda desfiles a cavalo ou de motocicletas, como se houvesse algo para celebrar, dezenas de milhões de brasileiros enfrentam as durezas da ocupação escassa, do dinheiro curto e do aumento do custo de vida. A inflação ficará acima da meta neste ano e no próximo, segundo as últimas projeções, e, pior que isso, poderá estourar em 2021 o limite de tolerância – de 5,25% – fixado pelas autoridades.
Passado o primeiro choque da pandemia, a atividade econômica voltou a crescer, embora em ritmo ainda insuficiente para zerar o recuo do ano passado. A desocupação permanece elevada e o custo de sobrevivência das famílias, já em alta sensível nos meses finais de 2020, continua avançando. Mesmo com algum recuo no segundo semestre, a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), poderá fechar o ano com alta acumulada de 5,3%, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério da Economia. No mercado, a mediana das projeções aponta 5,24% para este ano, taxa bem superior à meta (3,75%) e muito próxima do limite superior de tolerância, de acordo com a pesquisa Focus, do Banco Central (BC).
A mesma pesquisa registra, com base num grupo menor de instituições, uma projeção mais atualizada: 5,36%. Para 2022 o relatório indica uma alta de preços – de 3,67% – superior ao centro da meta, fixado em 3,5%. Só em 2023 o aumento do IPCA deverá voltar ao centro do alvo, de 3,25%, mas essa previsão está longe de ser tranquilizante. As pressões continuarão fortes e, se nada tornar o quadro mais complicado, a alta de preços baterá na meta. Uma folga significativa no ritmo da inflação parece improvável, num ambiente de incerteza e dólar instável.
A novidade mais favorável no front inflacionário é um certo arrefecimento dos custos da comida – à primeira vista, uma bênção para os pobres. Nos 12 meses até abril os preços de alimentos consumidos em casa aumentaram 15,5%, 3,6 pontos porcentuais a menos que no período até janeiro. Mas esse grupo permaneceu, como observam os autores do estudo do Ipea, como principal foco de pressão inflacionária. Excluído o impacto dos preços dos alimentos, a inflação nos 12 meses até abril caiu de 6,76% para 5,34%. Mas o quadro muda quando se observam certos detalhes.
No caso da comida, o arrefecimento pode ter sido passageiro. Além disso, os novos aumentos, mesmo quando mais moderados, ocorrem sobre uma base muito elevada, sem proporcionar de fato um alívio. Além disso, os aumentos de preços monitorados, como os de eletricidade e gás, também complicam severamente a situação das famílias pobres. Não basta pôr algum alimento na panela. É preciso ter meios para cozinhá-lo. Todos esses problemas se tornam mais graves quando afetam pessoas desocupadas, sem renda ou com renda comprimida.
Os últimos números do desemprego são do trimestre dezembro-fevereiro. Nesse período havia 14,4 milhões de desempregados, equivalentes a 14,4% da força de trabalho. Nenhuma informação dos meses seguintes sugere mudança significativa nas condições de emprego. Se tiver ocorrido alguma melhora, deve ter sido muito moderada, a julgar pelas condições fracas do consumo e da atividade na indústria e no setor de serviços. Também quanto a esse ponto a situação brasileira é uma das piores, quando se observam as economias emergentes e as desenvolvidas.
Nos 37 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a inflação nos 12 meses até março estava em 2,4%. Na União Europeia havia chegado a 1,7%. Nos Estados Unidos havia atingido 2,6%. No Brasil havia batido em 6,1%. Na OCDE, em março, o desemprego médio havia recuado para 6,5%. Nenhum chefe de governo dos países desse grupo foi filmado em aglomerações ou comandando um desfile de motociclistas.
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