BRASÍLIA — O “Orçamento paralelo” em emendas de R$ 20 bilhões em 2020, controlado por deputados e senadores governistas, foi direcionado para diversos órgãos chefiados por indicados do Centrão. O loteamento de cargos no governo federal permitiu que parlamentares tivessem ainda mais controle sobre o destino da verba indicada por eles.
A negociação foi operacionalizada através das emendas de relator, uma fatia do Orçamento usada para investimentos, obras e reforço para os caixas de municípios na área de saúde e educação. Governistas usaram a verba para irrigar suas bases eleitorais com verbas “extra”, além das emendas individuais de R$ 16 milhões a que cada um tem direito.
Os recursos que constituem o “Orçamento paralelo”, distribuído de forma desigual e sem transparência entre os parlamentares pela cúpula do Congresso em acordo com o governo federal, são provenientes das emendas de relator. O relator do Orçamento repassa informalmente as indicações de verbas de líderes partidários para a União, que depois autoriza os repasses dos ministérios demandados. É diferente de quando deputados e senadores indicam o destino de suas emendas parlamentares formalmente na peça orçamentária: eles têm direito a exatamente o mesmo valor, sejam da oposição ou governistas, e o Executivo é obrigado a fazer os pagamentos.
No Ministério da Educação, por exemplo, os valores empenhados (autorizados para pagamento) de emendas de relator chegam a R$ 2 bilhões. Deste valor, R$ 1,5 bilhão foi parar no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), cujo gestor, Marcelo Lopes da Ponte, é indicado do presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PP-PI). No órgão há ainda uma diretoria controlada por um quadro do PL, Garigham Amarante Pinto.
A maior parte das emendas de relator foi destinada ao Ministério do Desenvolvimento Regional: R$ 8 bilhões. Dessa quantia, pelo menos R$ 1,2 bilhão foi para a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba(Codevasf). Desde o fim de 2019, o órgão é chefiado por um indicado do deputado Elmar Nascimento (DEM-BA).
Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) tem um aliado seu, Aurivalter Cordeiro, à frente da superintendência do órgão em Pernambuco. Ele fez uma indicação de R$ 175 milhões na autarquia, mais de dez vezes o valor de uma emenda individual no Congresso. A cidade de Petrolina (PE), administrada pelo filho de Bezerra, Miguel Coelho, assinou um convênio de R$ 46 milhões com o órgão para pavimentação e abastecimento de água no fim de 2020.
Como revelou o GLOBO, na Codevasf, mais de 90% da verba das emendas de relator foi indicada por aliados do governo Bolsonaro no Congresso. Nas superintendências regionais do órgão, além do indicado de Bezerra Coelho, há chefes apadrinhados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Hildo Rocha (MDB-MA) e Arthur Maia (DEM-BA).
Comandada pelo Centrão, a Codevasf atua prioritariamente em projetos na região do rio São Francisco. Sua área de abrangência, porém, foi ampliada pelo Congresso e vai hoje do Amapá a Minas Gerais. Inaugurado neste ano, o escritório do Amapá foi uma vitória de Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-presidente do Senado. Ele fez uma indicação de R$ 98 milhões em emendas de relator à Codevasf para seu estado, pedido atendido pelo órgão.
Procurado, Alcolumbre defendeu a indicação. “A instalação da companhia no meu estado mudará para sempre a rota de desenvolvimento local. Ter o Amapá na Codevasf significa mais desenvolvimento para o meu estado. Isto porque, assegurados por lei, vamos ter como aprimorar nossas condições socioambientais regionais e de bem-estar”, disse em nota.
Indicações por WhatsApp
As emendas de relator foram repartidas entre deputados e senadores pelos líderes partidários. Uma lista com a divisão foi enviada à Secretaria de Governo, que, por sua vez, repassou os pedidos aos ministérios e cuidou da liberação, concentrada no fim do ano.
— No ano passado, quem centralizou (a distribuição das emendas de relator) foi a própria Secretaria de Governo — diz o deputado Hildo Rocha.
Deputados e senadores ouvidos pelo GLOBO relatam que nem sempre há uma indicação formal das emendas de relator como a que ocorreu no Ministério do Desenvolvimento Regional. Em muitos casos os pedidos são feitos pelo WhatsApp ou em planilhas manejadas por assessores das quais não há registro. Por isso, não há transparência sobre a distribuição.
O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), também nas mãos do Centrão, recebeu R$ 225 milhões para assentamentos rurais. O presidente é Geraldo Melo Filho, indicado pelo ministro Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral da Presidência) e filiado ao DEM. Nas superintendências, há dezenas de indicações políticas. Os deputados Marx Beltrão (PSD-AL), Zé Silva (SD-MG) e Josimar de Maranhãozinho (PL-MA) já emplacaram chefes regionais.
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