Já estamos um pouco cansados de falar da pandemia. Quem caiu, quem não caiu, amigo entubado, amigo extubado, CoronaVac, AstraZeneca, vozes abafadas pelas máscaras, CPIs, mentiras e gravações.
Mas a Humanidade tem de enfrentar seus erros e fazer a lição de casa, pois, nas condições de crise ambiental, novas pandemias podem nos atacar.
Um passo importante foi a comissão especial criada pela OMS, que divulgou seu relatório. Nele, o grupo liderado pela ex-primeira-ministra da Nova Zelândia Helen Clark aponta os erros da própria OMS, que perdeu um mês antes de decretar a emergência.
Governos locais — com seu negacionismo, isso conhecemos bem —também foram responsáveis por políticas destruidoras.
Em outras palavras, a tragédia que o mundo vive hoje poderia ter sido evitada. Comissões internacionais como essa são importantes para despertar uma nova consciência. No final da década dos 60, o Clube de Roma publicou um relatório de personalidades políticas alertando para a produção e o consumo insustentáveis. Isso foi um marco.
No meu entender, existe uma lição implícita na pandemia, já absorvida no século XIX por Humboldt. Ao escalar a montanha do vulcão Chimborazo, ele compreendeu algo que já estava amadurecendo em seu pensamento: os elementos da natureza são interligados, ela é uma rede viva e, portanto, vulnerável.
Lição semelhante pode ser transplantada para a política internacional num caso de pandemia. Estamos todos no mesmo barco. Ninguém estará a salvo enquanto todos não estiverem a salvo.
Daí meu apoio à quebra das patentes, mesmo sabendo que o efeito imediato da medida não é tão promissor quanto a distribuição de vacinas por países que têm mais do que necessitam para vacinar sua população.
Essa noção de interdependência deve ser levada também para o plano interno, em que, sem solidariedade, dificilmente atravessaremos a crise.
O governo brasileiro fez tudo errado. Negou a pandemia, resistiu à vacina e contribuiu para que tivéssemos um número absurdo de mortes.
Como se não bastasse isso, o desmatamento na Amazônia atinge números recordes, o Congresso acaba com as leis que definem o licenciamento ambiental.
O processo de destruição da natureza será mais acentuado no Brasil, sem falar no aumento da pobreza, por remarmos contra a corrente mundial que defende a sustentabilidade.
O governo e o Congresso não respeitam o alerta sobre uma exploração sustentável da natureza. E muito menos os conselhos para preservar vidas durante uma pandemia.
Simultaneamente, portanto, criam as bases de uma nova pandemia e estabelecem a política negacionista de um sacrifício humano ainda maior.
A única esperança, se isso merece o nome de esperança, é que não conseguirão destruir tudo nem matar todos os brasileiros até 2022.
É simples: ou deixam o poder, ou acabam com o Brasil.
Artigo publicado no jornal O Globo em 17/05/2021
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