Em tempos em que a Presidência da República e a Câmara dos Deputados flertam com a irresponsabilidade, o Senado tem sido fonte de estabilidade para o País, com sua independência e equilíbrio. Desde o primeiro semestre, a CPI da Covid vinha mostrando a importância da separação de Poderes, ao investigar as ações e omissões do governo federal na pandemia. Mais recentemente, outros aspectos positivos da responsabilidade do Senado ficaram em evidência.
Em mais uma tentativa de criar conflito com outros Poderes, o presidente Jair Bolsonaro disse que vai apresentar no Senado pedido de impeachment dos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em tese, a inusitada ameaça deveria causar algum abalo. Afinal, é o chefe do Executivo recorrendo à ameaça explícita. Contrariado em seus interesses pelos dois ministros do Supremo, diz que vai acusá-los de crime de responsabilidade.
No entanto, em razão da atuação responsável do Senado, a ameaça não surtiu maiores efeitos. É notório que o tal pedido de impeachment não tem viabilidade, como o próprio vice-presidente Hamilton Mourão reconheceu. “Acho difícil o Senado aceitar”, disse.
A responsabilidade do Senado fez, portanto, com que a ameaça de Jair Bolsonaro, que podia ser uma nova fonte de instabilidade em um momento delicado como o atual, recebesse o devido tratamento. A fala foi vista como mais uma pirraça do presidente. A atuação de Jair Bolsonaro continua sendo grave, mas seus efeitos foram devidamente limitados.
Outra manifestação da independência do Senado em relação ao Palácio do Planalto – e que contribui para pôr limites à irresponsabilidade de Jair Bolsonaro – refere-se à escolha do novo ministro do Supremo. Segundo o Estado, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, tem deliberadamente atrasado a tramitação do processo de avaliação do nome indicado pelo Palácio do Planalto.
A indicação de André Mendonça para a vaga do STF é especialmente problemática. Sua atuação à frente do Ministério da Justiça mostrou que a defesa dos interesses bolsonaristas tem prevalência sobre seu compromisso com a Constituição. Além disso, o presidente Bolsonaro manifestou várias vezes que sua opção pelo nome de André Mendonça não teve nenhuma relação com os requisitos constitucionais. Foi uma escolha baseada na religião do candidato e em sua relação de amizade.
Fará muito bem, portanto, o Senado em não apenas segurar a tramitação dessa indicação, mas em rejeitar o nome de André Mendonça na sabatina. O papel do Supremo é defender a Constituição. Não há vaga na Corte para quem tem outras prioridades.
O Senado também tem sido – e pode ser ainda mais – fonte de tranquilidade para o País em seu papel de Casa Revisora. Nas últimas semanas, a Câmara dos Deputados acelerou a tramitação de projetos legislativos que são verdadeiros retrocessos institucionais, como a volta das coligações partidárias em eleições proporcionais.
Com a aprovação em primeiro turno da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 125/11, a Câmara dos Deputados mostrou não apenas desprezo pela qualidade da representação política. As coligações em eleições proporcionais distorcem o voto, dando-lhe efeitos muito diferentes aos esperados pelo eleitor, e estimulam legendas sem identidade programática. Os deputados revelaram também indiferença com a estabilidade da Constituição. Em 2017, Câmara e Senado aprovaram a Emenda Constitucional (EC) 97/2017, que proibiu as coligações em eleições proporcionais.
Com a mesma responsabilidade que vem tratando as investidas do presidente Jair Bolsonaro, cabe ao Senado rejeitar os retrocessos da Câmara. Com tantos problemas urgentes a serem enfrentados, não há razão para o Congresso piorar o ordenamento jurídico.
A quem questiona a razão do sistema bicameral no Legislativo, o Senado tem a oportunidade de dar, neste momento, uma resposta muito convincente. Como poucas vezes se viu, a moderação e a responsabilidade desta Casa Legislativa podem fazer toda a diferença.
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