O alinhamento a Jair Bolsonaro na cúpula da Procuradoria-Geral da República não se limita à omissão de Augusto Aras perante evidências de delitos sanitários e liberticidas. Sua preposta Lindôra Araújo rebaixa-se também a deturpar a ciência para solapar a objetividade que inculparia o presidente.
A subprocuradora decidiu pelo arquivamento de notícia-crime contra ele por reincidir no descumprimento da obrigação de usar máscaras faciais para evitar a propagação do coronavírus.
Ao fundamentar a providência, extrapolou a argumentação jurídica e aventurou-se em esfera estranha a sua autoridade ao afirmar que não há certeza científica da prevenção assim oferecida.
Araújo alega que pesquisas em favor de cobrir boca e nariz são apenas observacionais e epidemiológicas. Trata-se de tentativa canhestra de usar o vocabulário de especialistas para apoiar tese contra a qual há consenso entre eles.
O raciocínio tosco implica que uma norma legal impondo as máscaras só poderia ser baixada após estudo clínico controlado a lhe dar apoio. Ora, até um estudante de iniciação científica percebe que seria antiético submeter humanos a experimento em que alguns deles seriam expostos a risco sem proteção, no grupo de controle.
A subprocuradora ouviu o galo negacionista cantar, mas não sabe onde, ou prefere não saber. Já o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, sendo médico, não tem desculpa para desqualificar norma impondo máscaras, como vem de fazer.
A circunstância do atentado às boas práticas diz tudo: em entrevista a um canal bolsonarista investigado por disseminar notícias falsas, o cardiologista sucessor do general obediente bateu continência para o auto-atribuído direito de recusar o dispositivo em aglomerações que o presidente provoca (para não falar do gesto abominável de desproteger uma criança).
Incoerência e oportunismo não caem bem no comandante do combate à Covid, mas Queiroga não se constrange em defender a importância de máscaras na Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado e depois investir contra sua obrigatoriedade em um veículo de reputação duvidosa.
Disfarçou a contraindicação sob a falácia do direito pessoal, quando em verdade está em jogo o objetivo de impedir o transmissão do coronavírus na coletividade.
Pode parecer pouco para um governo que chegou à atrocidade de boicotar vacinas —e a CPI ainda apura o que mais se fez nessa seara. Entretanto são mostras da disposição incansável do bolsonarismo à mistificação da pandemia e à sabotagem dos esforços sanitários, para as quais acabam concorrendo autoridades e instituições.
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