O Auxílio Brasil lançado ontem pelo governo Bolsonaro não tem apenas a aparência de uma cópia bem-feita do Bolsa Família de Lula, que por sua vez foi uma cópia muito bem-feita dos programas sociais do governo de Fernando Henrique Cardoso. Representa, sobretudo, a irresponsabilidade fiscal a serviço da reeleição do presidente, assim como, em 2010, para eleger Dilma, o então presidente Lula forçou o PIB a ir de uma queda de 0,13% em 2009 para um crescimento de 7,53% no ano da eleição.
Esse crescimento artificial gerou uma crise financeira nos anos seguintes, que resultou em alta da inflação e do desemprego e num crescimento medíocre do PIB no primeiro mandato de Dilma. Entre 2011 e 2014, o país voltou a sofrer forte deterioração fiscal. O gasto do governo Dilma, em 2016, aumentou para 20% do PIB, gerando o maior déficit público de todo o período.
Há mais semelhanças. O crédito consignado, criado em 2003, transformou-se em forte arma eleitoral, e também agora o governo Bolsonaro pretende permitir que parte do novo Bolsa Família possa ser usado para pagamentos de dívidas pelo crédito consignado. O caráter político do Bolsa Família foi ressaltado quando ele passou a ser distribuído pelos prefeitos, ao contrário do início do programa — na concepção de Frei Betto, então assessor especial da Presidência, era distribuído por uma comissão local sem interferência de políticos.
Agora, com a necessidade de recuperar popularidade e as brigas com governadores, Bolsonaro quer passar a distribuição do Auxílio Brasil para o governo federal. Situações diversas, mas o mesmo objetivo de ganhar musculatura eleitoral com a distribuição da renda mínima. Com o Orçamento para o ano que vem já próximo de ser fechado e diante de uma série de investidas direcionadas ao aumento das despesas, já há, entre economistas, uma expectativa de que o Brasil caminha a 2022 para o nono ano consecutivo de déficit primário.
Chega, em boa hora, portanto, o livro “Tudo sobre o déficit público” — uma narrativa sobre a trajetória da organização das contas públicas do Brasil nas últimas décadas e análises sobre as consequências para o país do desequilíbrio fiscal, de autoria do economista e pesquisador associado da FGV/Ibre Fabio Giambiagi, um dos maiores conhecedores das finanças públicas brasileiras. O volume esmiúça o déficit público brasileiro e os problemas dele decorrentes — principal fonte do processo inflacionário, assim como gatilho do “calote”, implícito ou explícito, da dívida pública.
A tentativa do governo de viabilizar o parcelamento do pagamento dos precatórios para permitir encontrar espaço fiscal para dar um Auxílio Brasil entre R$ 400 e R$ 600 por mês é um exemplo típico desse movimento. “Devo, não nego, pagarei quando puder”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes. Após a aprovação da regra do teto de gastos públicos, em 2016, houve finalmente uma mudança de 180 graus em relação à política que vinha sendo conduzida até então. O cenário de lenta recuperação, contudo, foi interrompido em 2020, quando o Brasil sucumbiu novamente à forte deterioração fiscal. As contas públicas “estouraram”: o déficit alcançou proporções gigantescas, e a dívida pública teve uma escalada assustadora. “O maior problema é que o Estado é visto como tábua de salvação para todos os gastos. Esse problema — que se acentuou em 2020 — está na raiz das dificuldades enfrentadas pela economia brasileira”, conta Giambiagi.
Para ele, “derrotar” o déficit público, fazer com que ele se situe em patamares administráveis sem comprometer a trajetória da dívida pública, é a grande tarefa pendente, de que dependem, também, a recuperação do investimento e a retomada do crescimento a taxas mais vigorosas. A agenda econômica e social pós-pandemia e as eleições do próximo ano evidenciam a importância desse debate no atual momento político do país. Giambiagi afirma que o Brasil precisa atacar o déficit e fazer um ajuste fiscal em torno de 3% do PIB, o que demanda forte determinação e uma boa capacidade de articulação — atributos em falta na atual política brasileira.
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