quarta-feira, 25 de agosto de 2021

OU O BRASIL ACABA COM BOLSONARO, OU BOLSONARO ACABA COM O BRASIL

Marcos Strecke, ISTOÉ

Ainda há muitas dúvidas sobre o cenário eleitoral de 2022, mas já existe pelo menos uma certeza: as chances de Jair Bolsonaro se reeleger diminuíram dramaticamente. Pesquisas registram sucessivos recordes de desaprovação ao seu governo, agora na casa de 60%. E ele perde para todos os adversários no segundo turno. O problema não é apenas o derretimento na popularidade. A conjuntura econômica cada vez mais adversa, a ação criminosa na pandemia e os resultados medíocres do governo em todas as áreas estão selando o destino do presidente, que encontra uma única alternativa para se manter no poder: subverter o processo eleitoral. Bolsonaro sempre defendeu o golpe, e suas bravatas estão se transformando em ações.

A nova ameaça é a convocação de uma manifestação “gigantesca” no Sete de Setembro para mostrar que ele tem o apoio da população e das Forças Armadas para o “provável e necessário contragolpe”. As aspas são precisamente as palavras usadas pelo presidente em um texto enviado a um grupo de ministros, apoiadores e amigos no sábado, 14. Além da declaração de próprio punho do mandatário, seus apoiadores tentam convocar caminhoneiros para paralisar o País e pressionar o Congresso pela destituição de ministros do STF. Seria mais uma fanfarronice inconsequente, não fosse o controle que o chefe do Executivo já exerce sobre a direção da Câmara, a Procuradoria-Geral da República, a Polícia Federal e o comando das Forças Armadas. E ele conta ainda com cerca de 15% da população que ainda o apoia incondicionalmente.

Cerco judicial

Bolsonaro sobe o tom para tentar furar o eficiente cerco judicial liderado pelos ministros do STF Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes: são cinco inquéritos no Supremo e mais dois no TSE que têm ele ou seus apoiadores mais próximos como alvos. Eles podem transformar o presidente em réu, cassar a chapa que o elegeu e impedir sua futura disputa eleitoral. Por isso, o mandatário investiu em mais um balão de ensaio. Ele anunciou que entregaria o pedido de impeachment dos dois magistrados. Seria também uma resposta à militância pela prisão do aliado Roberto Jefferson, investigado no inquérito da milícias digitais por incitar ataques à democracia. Tudo jogo de cena. A Lei do impeachment não admite que ministros do STF sejam processados por causa do conteúdo dos seus votos, seria crime de hermenêutica. Principalmente, sua aceitação depende do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Este já disse com clareza que não vai embarcar nessa investida contra o Judiciário. “Patriotas são aqueles que unem o Brasil, e não os que querem dividi-lo. E os avanços democráticos conquistados têm a vigorosa vigilância do Congresso, que não permitirá retrocessos”, divulgou, num recado claro ao chefe do Executivo. Isso frustrou os planos de Bolsonaro de apresentar o pedido de impeachment pessoalmente, um teatro que seria usado para tentar intimidar os parlamentares e abastecer as milícias digitais. Na prática, Pacheco tem se mantido como um bastião de resistência contra as aventuras do presidente no Legislativo, uma atitude bem diferente de seu colega da Câmara, Arthur Lira.

Já o Judiciário cerrou fileiras contra as agressões. Os ministros do STF estão unidos contra o discurso golpista e procuraram nos últimos dias abafar uma nova manobra tentada pelo círculo íntimo de fardados de Bolsonaro. A senha foi dada pelo general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, que propôs uma interpretação exótica do artigo 142 da Constituição, segundo a qual as Forças Armadas seriam uma espécie de poder moderador sob a autoridade do presidente. Ou seja, em caso de impasse constitucional — como Bolsonaro tenta provocar diariamente —, basta a ele mesmo acionar as tropas para “garantir a lei e a ordem”. Para ele, esse artigo justifica a intervenção armada, na qual disse não acreditar “no momento”. Para ele, o artigo “não diz quando os militares devem intervir, mas estabelece que é para manter a tranquilidade do País. E pode acontecer em qualquer lugar. Não há planejamento”, afirmou. Essa gabarolice não resiste ao crivo de um estudante de direito, mas sempre alimentou o sonho autoritário daqueles que desejam usar o texto constitucional contra o próprio espírito da Carta. “O general Heleno como intérprete da Constituição deixa muito a desejar. Poderia se dedicar a convencer seu presidente a combater o desemprego, não a democracia”, tripudiou o deputado Fábio Trad (PSD). Cabe ao próprio Supremo, é bom lembrar, a palavra final sobre a interpretação do texto constitucional. E o presidente da Corte, Luiz Fux, já se debruçou sobre esse assunto. “A missão institucional das Forças Armadas não acomoda o exercício do poder moderador entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”, sentenciou em junho de 2020, em resposta a uma ação impetrada pelo PDT. Na mesma decisão, acrescentou que a chefia das Forças Armadas “é poder limitado, excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes”.

Na época, Bolsonaro reagiu à decisão com uma nota: “As Forças Armadas não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos”. Para eliminar essas leituras excêntricas da Constituição, Fux precisa levar esse tema ao Plenário, o que tem resistido em fazer.

Outros ministros denunciaram a manobra. “Não existe quarto Poder”, afirmou Cármen Lúcia, que ainda deu um recado: “A sociedade não pode viver com essa audição permanente de xingamentos, de afrontas, de desatendimento à harmonia que é exigência constitucional”. O ex-decano da Corte Celso de Mello reagiu de forma contundente. “O artigo 142 não confere suporte institucional nem legitima a intervenção militar em qualquer um dos Poderes da República, sob pena de tal ato, se consumado, traduzir um indisfarçável e repulsivo golpe de Estado”, escreveu. Para o ex-ministro Ayres Britto, o tema precisa ser debatido. “Não existe, numa República presidencialista, Poder moderador. As Forças Armadas podem se sentir autorizadas a se autoconceder uma prerrogativa que não têm. Se não houver essa discussão, elas vão pensar que estão autorizadas a fazer o que Bolsonaro tem dito”, afirmou.

Ameaças dos militares

A despeito de promessas de respeito à Constituição, os militares mais próximos de Bolsonaro continuam a fazer ameaças veladas de ruptura institucional. Na terça-feira, 17, em uma audiência para a qual foi convocado na Câmara, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, disse que seu chefe assegurou que “respeitaria a Constituição”, mas voltou a invocar o artigo 142. De quebra, declarou que “não houve uma ditadura” entre 1964 e 1985. Um dia depois, outro general, o titular da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, disse que essa classificação era uma questão “de semântica”, e chamou a ditadura de “regime militar de exceção”. Nada disso teria importância se o fantasma de um novo levante militar não fosse brandido diariamente por um presidente que abertamente tenta cooptar as Forças Armadas para seu projeto pessoal de poder. Essa obsessão em tentar mostrar a submissão dos militares aos seus desejos teve outro capítulo patético seis dias após o desfile de blindados em frente ao Planalto, no dia 10. Bolsonaro acompanhou pessoalmente a operação Formosa, um exercício da Marinha nessa cidade goiana, que virou um espetáculo político-castrense em tom triunfalista.

Além de o STF dirimir qualquer chance de interpretação oportunista da Constituição, o Congresso também pode contribuir para evitar a instrumentalização das Forças Armadas. A resposta mais eficaz seria a aprovação da “PEC do Pazuello”, que barra a participação de militares da ativa em governos e é apoiada por vários partidos. Uma terceira providência seria mudar a norma de indicação do Procurador-Geral da República, obrigando o presidente a escolher um nome da lista tríplice de procuradores escolhidos por seus pares. O atual PGR tem dado um suporte fundamental ao projeto autoritário ao exibir um comportamento servil. Por isso, um grupo de 31 subprocuradores-gerais da República assinou uma representação cobrando que Aras apure as ameaças às instituições por parte do presidente. Os subprocuradores citam alusões que ele fez ao papel de “poder moderador” das Forças Armadas, assim como sua menção ao “necessário contragolpe”.

A vassalagem motivou dois senadores, Fabiano Contarato (Rede) e Alessandro Vieira (Cidadania), a protocolaram uma queixa-crime no STF contra Aras, acusando-o de prevaricação. A ministra Cármen Lúcia, que deve encaminhar o caso ao Conselho Superior do Ministério Público, também exigiu que Aras respondesse em 24h sobre uma notícia-crime contra a live em que Bolsonaro atacou as urnas eletrônicas (encurralado, o PGR respondeu que abriu uma investigação preliminar). Para minar essa blindagem do presidente, o Senado deveria ser mais rigoroso ao dar o aval para um novo mandato do PGR. Um primeiro teste ocorrerá na próxima terça-feira, 24, quando foi marcada a votação preliminar de recondução de Aras na Comissão de Constituição e Justiça. É uma oportunidade para uma resposta firme do Legislativo. A decisão final no plenário deveria ser sobre sua atitude subserviente em relação ao chefe do Executivo, e não um referendo meramente protocolar. Um sinal nesse sentido já está sendo transmitido pelos senadores, que seguraram até agora a indicação do segundo nome escolhido por Bolsonaro para o STF, o ex-ministro da Justiça André Mendonça.

Impeachment

Independentemente dessas medidas, há ferramentas institucionais para conter o ímpeto golpista. A principal está nas mãos do presidente da Câmara, Arthur Lira. Ele precisa dar uma resposta aos 130 pedidos de impeachment que estão na sua gaveta. Nada assusta mais Bolsonaro do que a perspectiva de enfrentar a Justiça depois de perder o foro privilegiado. E a lista de crimes é extensa. Com o esgarçamento das relações entre os outros Poderes, auxiliares do presidente voltaram a divulgar que tentam convencê-lo a amenizar seus atritos com o STF e o Senado. A iniciativa tem tudo para ser mais um esforço inútil. O presidente do STF, Luiz Fux, já havia recuado na sua tentativa de acomodação com o presidente após nova rodada de ataques. Rodrigo Pacheco ensaia uma nova pacificação entre Fux e o chefe do Executivo. Para isso, o novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, também procurou o chefe do Judiciário. As condições para a trégua são que Bolsonaro recue na convocação às manifestações de Sete de Setembro e não encaminhe o pedido de impeachment dos dois ministros do STF. Mas a contemporização só favorece o ex-capitão. Ele não conta mais com os eleitores para se manter no poder, portanto continuará em sua estratégia de ataques e recuos contra as instituições, e não vai esperar o próximo pleito. Para o País, as alternativas são a ruptura ou o impeachment. A resposta precisa ser institucional.

Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário