Em 2011, no Chile, estudantes saíram às ruas para reivindicar melhorias no sistema de ensino. A dimensão do movimento foi comparável à das manifestações que se espalharam pelo Brasil em 2013. O dado mais interessante do levante chileno é que, para conseguir seus objetivos, os jovens que saíram às ruas entraram, posteriormente, para a política.
A presidente da Federação dos Estudantes e líder das manifestações de 2011, Camila Vallejo, elegeu-se deputada em 2014 e está no Congresso até hoje. Seu sucessor na presidência da Federação, Gabriel Boric, acaba de se tornar presidente do Chile. Depois de eleito, Boric se reuniu com seu antecessor, Sebastián Piñera, para combinar uma transição civilizada.
Boric é de esquerda, Piñera – presidente que se notabilizou por fazer do Chile um exemplo de vacinação na pandemia – é de direita. A alternância entre os dois lados do espectro ideológico é normal e saudável nas democracias. A batalha eleitoral mais importante, atualmente, não é entre direita e esquerda. É entre candidatos democratas e autoritários.
Vivemos uma era onde os autoritários, em vez de dar golpes, concorrem em pleitos e, eleitos, corroem a democracia por dentro. Aconteceu na Venezuela e na Nicarágua, à esquerda, e na Hungria e na Turquia, à direita.
No início do mês, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, realizou uma “cúpula da democracia”. Foi criticado, com razão, porque sua lista de convidados privilegiava os interesses geopolíticos americanos – a Polônia, por exemplo, cujo governo frequentemente atenta contra as liberdades civis, participou da cúpula.
A clivagem que Biden sugere – entre democratas e autoritários – é, no entanto, legítima.
Biden reivindica a liderança de um bloco amplo. “A defesa das democracias aproxima os Estados Unidos da União Europeia”, diz o português António Costa Pinto, que deu aulas em Stanford e Georgetown e leciona hoje na Universidade de Lisboa. “Trata-se da grande causa do Ocidente desde 1945 e hoje enfrenta novos desafios, com a ascensão da China e dos populismos.” Costa Pinto, um dos maiores especialistas mundiais em ditaduras, é o entrevistado no mini-podcast da semana.
A troca de experiências é saudável para as democracias, que também se fortalecem quando os movimentos da sociedade civil buscam a via institucional. Tal fenômeno, como observou o advogado Pedro Abramovay em artigo para o Estadão, representa a valorização da política.
Fora da política não existe solução democrática para os problemas de um país. Esta é a lição da sociedade chilena para o Brasil.
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