quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

DESVENDANDO O CÉREBRO

Cristovam Buarque, Correio Braziliense

A última frase do livro No labirinto do cérebro diz: “Em algumas décadas nossos livros médicos estarão em museus como documentos de uma época em que se abria a cabeça, o tórax e o abdômen dos pacientes”. Ela reflete a percepção do autor sobre a evolução da medicina, mas não se aplica ao próprio livro, que tem as qualidades da boa literatura: deslumbrar o leitor, aumentar o conhecimento sobre a realidade e seus mistérios e provocar novas ideias e conceitos.

No labirinto do cérebro, de Paulo Niemeyer Filho, deslumbra ao contar as aventuras do avanço da ciência e as batalhas médicas para dar qualidade de vida às pessoas. O autor conseguiu entrelaçar as aventuras do pensar e do agir; do entender o funcionamento do cérebro e de corrigir seus defeitos de funcionamento. Emociona acompanhar os desafios de cientista para desbravar o conhecimento sobre o cérebro e os desafios do cirurgião ao usar as mãos para salvar vidas e recuperar competências perdidas. Dupla aventura do saber e do fazer, com texto fluido, belas imagens e analogias poéticas.

O autor descreve suas vitórias e conquistas de cientista e cirurgião, transmitindo ao leitor um misto de surpresa, encantamento, esperança. Fica a certeza de que ele é ótimo escritor e grande cientista. Terminamos de ler cada capítulo com admiração, respeito e confiança no trabalho que o autor descreve, e com alívio pelo final feliz de cada história bem contada. Como se Fernão de Magalhães tivesse sobrevivido e contado sua aventura, ao mesmo tempo em que descrevesse a beleza da geografia, a ciência da navegação e a engenharia náutica.

Paulo Niemeyer Filho provoca, com rara competência, tensão narrativa ao criar estimulantes frases de abertura para seus capítulos: “Em que momento o homem primitivo começou a falar”; “Quando olhamos o cérebro, observamos que, como uma fruta, ele tem duas cores”; “Em 1835, dois pesquisadores da Universidade de Yale apresentaram no Congresso Mundial de Neurologia, em Londres, a experiência da secção dos lobos frontais em dois chimpanzés”; “No final da tarde, fui chamado às pressas para atender o filho de um casal amigo, que sofrera traumatismo craniano ao cair de skate”; “Numa tarde de fim de semana, fui convidado para receber um paciente que vinha do interior do estado, de ambulância, com dormência nas pernas após uma queda de cavalos”; “Certo dia, uma amiga me ligou queixando-se de uma dor de cabeça diferente”. Cada uma das aberturas desperta a curiosidade do leitor, como fazem grandes escritores quando acham a frase certa antes de uma boa história. E ele faz isso para descrever a aventura do diagnóstico, da busca por alternativas para enfrentar o problema, o que foi feito antes e quais os resultados.

No capítulo que começa com a frase “Numa manhã de março, um casal é atendido no ambulatório do hospital local”, Paulo Niemeyer conta a fascinante história do primeiro caso identificado, em 1901, pelo doutor Alois Alzheimer, da doença que depois veio a receber seu nome, graças à descoberta que fez contrariando a ciência de sua época. Uma aula simples de história da medicina, com a qualidade de nos auxiliar a identificar sintomas dessa doença e saber como enfrentá-la.

No labirinto do cérebro é um livro para ser lido pelo prazer de ler, pelo acúmulo do conhecimento que transmite e pelos alertas que faz. Além disso, um livro que passa esperança e ensina a salvar vidas ao indicar sintomas de doenças que podem ser evitadas ou curadas se tratadas em tempo. Deve ser indicado para jovens adquirirem gosto pela leitura e atração pela aventura da ciência e da medicina.

No meio do prazer e do aprendizado que passa, o livro nos provoca imaginar que os conjuntos sociais podem ser comparados com organismos humanos, como se o Brasil tivesse um cérebro que sofre de Alzheimer ao esquecer sua história, sofre de tumores, derrames e isquemias que nos impedem de usar o potencial que temos. Sobretudo, ao provocarmos uma terrível isquemia social, por falta de escola com qualidade para todas nossas crianças. O que nos faz pensar que o cérebro humano, pelo menos dos políticos, carrega um defeito de fabricação ao dispor de imenso poder lógico para entender e manipular a realidade, mas sem ética que regule esse poder.

No labirinto do cérebro tem outra qualidade dos grandes livros: ao terminar a leitura, desejamos recomeçar e refletir mais sobre cada frase que sublinhamos, além de desejar que muitos vivenciem as aventuras que ele descreve e descubram a beleza estimulante de suas páginas.

Arte: Kleber Sales/Correio Braziliense

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