segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

GOVERNO NEFASTO

Luís Francisco Carvalho Filho, Folha de S.Paulo

O Supremo Tribunal Federal conteve parte dos abusos e ilegalidades cometidos pelo governo Bolsonaro porque partidos políticos de oposição reagiram.

O STF é conceitualmente uma instituição inerte: não atua espontaneamente. O procurador-geral da República, Augusto Aras, que, em tese, deveria resistir, é cínico, omisso e subserviente: dá asas para o devaneio criminoso, autoritário e negacionista do presidente eleito em 2018.

Apesar dos defeitos crônicos do sistema partidário, a litigância estratégica de legendas oposicionistas permitiu correção de rumos e retrocessos.

Os exemplos se multiplicam. A partir da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) movida pelo PSB, o Supremo suspendeu a eficácia de decreto segregando alunos com deficiência.

A suspensão dos efeitos de resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente revogando medidas protetivas de manguezais e restingas é resultado de arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) ajuizadas por PT, PSB e Rede de Sustentabilidade. O PSB impugnou resolução que zerava o imposto de importação de armas.

Vários decretos de Bolsonaro facilitando desmatamento ou circulação de armas, assim como a inércia sanitária, foram judicializados pelas oposições. A vacinação de adolescentes, entre outras medidas adotadas pelo STF na pandemia, decorre da iniciativa judicial de PSB, PC do B, PT, PSOL e Cidadania.

PSB, Rede, PT e PDT ajuizaram ADIs contra a reedição de medida provisória rejeitada pelo Congresso, ato definido por Celso de Mello como "inaceitável transgressão". Cidadania, PSB e PSOL são autores de ADPFs contrárias à execução de verbas oriundas das chamadas emendas do relator (orçamento secreto) –mecanismo de corrupção parlamentar.

A novidade é a indisfarçável e melancólica cumplicidade política do PGR, que até a Constituição de 88 detinha o monopólio das representações por inconstitucionalidade de leis e atos normativos.

Não faltam críticas à possibilidade de os partidos políticos com representação no Congresso questionarem no Supremo aquilo que não conseguiram evitar no processo legislativo. Dizem ser mais um fator de ingovernabilidade, gerando empoderamento desmesurado do STF e atraso na implementação de políticas públicas.

Dissertação de mestrado de Daniel Bogéa na Universidade de Brasília indica números eloquentes: durante o governo FHC (1995-2002), foram 429 ações diretas de inconstitucionalidade no STF, sendo o PT o principal litigante. Durante o governo Lula (2003-2010), foram 242 ações, movidas principalmente pelo PSDB e pelos extintos PFL e DEM.

É um cenário interessante e a história registra julgados do STF de grande impacto social e que não tinham o Palácio do Planalto como alvo político.

O STF declarou a inconstitucionalidade da Lei de Imprensa, editada na ditadura, no julgamento da ADPF 130, movida pelo PDT. Equiparou transfobia e homofobia ao crime de racismo no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO 26) movida pelo PPS. Declarou que as penitenciárias brasileiras vivem um quadro de violação sistêmica de direitos fundamentais ("estado de coisas inconstitucional") no julgamento da ADPF 347, ajuizada pelo PSOL.

É do PSB a ADPF das Favelas, que reduziu no Rio de Janeiro, durante alguns meses, a letalidade policial.

Que, em 2022, os partidos de oposição sejam capazes de vencer Jair Bolsonaro e seu entorno medíocre, repugnante, nefasto.

Luís Francisco Carvalho Filho Advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (2001-2004).

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