quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

NOVA ODE ELEMENTAR

Ricardo José de Azevedo Marinho, Política e  Democracia

Um pouco mais de algumas horas do resultado do último turno da eleição presidencial no Chile, parece-me que maior parte das hipóteses interpretativas sobre a natureza desse segundo turno agora com os dados concretos nos permitem discernir e tirar conclusões.

Uma das coisas mais superficiais era afirmar que o eleitorado chileno estava polarizado entre dois extremos, e que a votação ficaria entre dois extremos: a extrema direita, na pessoa de José Antonio Kast, e a extrema esquerda (ou como a imprensa malsã tem chamado de esquerdista), representada por Gabriel Boric. Esta interpretação que já era uma lenda entre nós a bastante tempo graças as análises de Alberto Aggio[1] e que não houve a lucidez necessária entre nós (também na imprensa) para subscrevê-la. Mas, há motivos para que isso não se de pôr todos os lados.

Pode-se argumentar que, na realidade, a eleição era disputada entre um personagem da extrema direita que não precisava desesperadamente buscar votos do Centro e um jovem candidato de esquerda que precisa dialogar com eles, mas também de fincar suas raízes e compromissos com a tradição da Centro-Esquerda no Chile. Kast por sua vez conseguiu com alguma facilidade, obter os votos de grande parte do resto da direita – que pode ser quase tão radical quanto ele – e do candidato que rejeitava a ambos, Franco Parisi, que ficou em terceiro lugar com 13% dos votos, e vivendo fora do Chile, sem nenhum compromisso com moderação e Sebastián Sichel que ficou em quarto lugar com também quase 13% dos votos.

Boric sabia que seus eleitores radicais podem vê-lo como a única opção de voto, embora ele também soubesse que não venceria se não obtivesse a maioria dos votos do Centro (inclusa aqui a Centro-Esquerda) e de toda a Esquerda e de alguns eleitores que se abstiveram no primeiro turno. Importa reter que aconteceu um fenômeno novo na era democrática moderna do Chile, a saber, de que os dois principais candidatos do primeiro turno mal ultrapassaram a metade dos votos. Em outras palavras, metade dos votos expressos naquela ocasião, e mais uma parte das abstenções, foram parcialmente encontrados ontem. Dito de outro forma: havia um concurso para o Centro, e o Boric fez o melhor aceno para ele do que Kast.

Como ele fez isso? Boric é um filho ou neto da Concertación. Como se sabe, esta é a aliança que governou o Chile de 1990 a 2010, e com modificações, novamente entre 2014 e 2018. É uma coalizão que, entre suas diferentes versões e lideranças, pôs em prática um programa de Centro-Esquerda, sem cair em nenhuma conversa fiada de esquerdismo daquele atribuído a Boric agora.

Nunca deu azo a cultura autoritária, não fechou o país, nem se alinhou a nenhum país com uma política que coloca em dúvida a democracia. Existe uma disjuntiva difícil analiticamente que é a responsabilidade da Concertación aos impasses econômico, político e social que levou aos protestos massivos de 2019 (2). Talvez sim, talvez não, mas a verdade é que durante um quarto de século no poder, a Concertación constatou-se de fato o quão é limitado o espaço no Chile para recorrer a políticas públicas para atender os sentimentos de sua sociedade.

Embora sua carreira política tenha começado com os protestos estudantis de 2011, e muitos dos ex-dirigentes ou apoiadores da Concertación não o tenham apoiado no primeiro momento, Boric vem de lá. Grande parte da esquerda chilena sabe, de uma forma ou de outra, que os limites da mudança no Chile são reais e antigos: eles datam de pelo menos no início dos anos 1970 e da memória da triste experiência de Salvador Allende (1908-1973). Boric se dissociou do esquerdismo em todos os momentos, e personalidades mais próximas da Concertación começaram a se aproximar. Tanto o ex-presidente Ricardo Lagos como a ex-presidente Michelle Bachelet, não demoraram a apoiar Boric no segundo turno.

Por isso é espantoso que a melhor interpretação da eleição chilena expressa por Alberto Aggio (3) ao contradizer a análise da quase totalidade dos observadores do nosso país e quiçá de estrangeiros não tenha tido se quer o justo debate de ideias. Também contrasta com a visão de uma nova maré na região, impulsionada por movimentos sociais e reações à desigualdade ausentes de política. Mas, seja como for, o Chile mais uma vez pode enviar, um sinal do caminho da nova ode elementar que se pode cantar lá, cá e no planeta.

* Professor do Instituto Devecchi e da Unyleya Educacional.

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