O governo do presidente Jair Bolsonaro se ausentou do enfrentamento de quase todos os problemas que afligiram os brasileiros ao longo deste ano particularmente difícil. Não raras vezes, o próprio presidente foi a fonte das atribulações.
Há duas razões para esse comportamento: a baixa estatura moral e intelectual de Bolsonaro para exercer a Presidência e sua notória inapetência para o trabalho. O resultado de três décadas de irrelevante vida pública revela que Bolsonaro nunca gostou do batente. A ascensão à Presidência não parece tê-lo feito mudar de ideia.
Mas, por paradoxal que possa parecer, a ausência de um governo digno do nome em momentos tão críticos teve o efeito positivo de lançar luz sobre a solidariedade entre os cidadãos. Em 2021, os brasileiros deram mostras inequívocas de que os laços de fraternidade que os unem estão mais fortes do que nunca. É como se os cidadãos percebessem que, diante de um governo tão ruim, tivessem de contar apenas uns com os outros. Evidentemente, por mais valorosa que seja, a solidariedade não dá conta de tudo. O apagão governamental produziu desastres. Mas foi graças ao altruísmo de muitos cidadãos que alguns problemas puderam ser ao menos mitigados.
Tome-se como exemplo mais recente a tragédia das chuvas que mataram dezenas e desabrigaram milhares de baianos neste fim de ano. Como se fosse um burocrata qualquer, que assina meia dúzia de papéis e dá seu trabalho como concluído, Bolsonaro se limitou a despachar para a Bahia o ministro da Cidadania, João Roma, e a editar uma medida provisória que cria um crédito extraordinário de R$ 200 milhões para reconstrução da infraestrutura rodoviária destruída pelas chuvas no Estado. Depois, partiu para uma semana de ócio nas praias de Santa Catarina – a imagem do dolce far niente do presidente em contraste com o terrível padecimento dos baianos é de causar engulhos. A ajuda concreta aos baianos que perderam tudo o que tinham tem vindo, principalmente, da solidariedade de seus concidadãos em todo o País e de ações pontuais de empresas privadas, principalmente supermercados, que têm enviado alimentos aos desabrigados.
Outro exemplo recente, este dado por uma adolescente de 17 anos de Aracaju (SE), mostra que não é preciso chegar à idade de Bolsonaro para saber o valor da solidariedade. Como mostrou uma reportagem do Estado, a menina Lenice Ramos idealizou uma ação solidária para distribuir absorventes para alunas carentes da rede pública de ensino. Praticamente sozinha, Lenice conseguiu distribuir 192 mil absorventes a meninas que padecem da chamada pobreza menstrual. Ao fazê-lo, demonstrou ter mais espírito público e sensibilidade social que Bolsonaro, que em outubro vetou o financiamento público à distribuição gratuita de absorventes a mulheres carentes. Uma desumanidade. Poucos dias após o veto cruel, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, prometeu encaminhar ao Congresso um projeto de lei tratando do tema. Até agora não se leu uma linha sequer do tal projeto.
Mas neste ano não houve exemplo maior de união entre os brasileiros em prol do bem comum do que a que se viu no curso da pandemia de covid-19. Os brasileiros, em sua grande maioria, ignoraram olimpicamente a sabotagem do governo federal às medidas sanitárias para evitar a disseminação do vírus. Fazendo ouvidos moucos para a campanha de Bolsonaro contra a vacinação, os cidadãos acorreram em massa aos postos de saúde para receber o imunizante tão logo foi possível. Não foi trivial o sacrifício individual que muitos fizeram em nome do bem-estar coletivo.
Na raiz desse contraste entre governo e sociedade está a incompreensão de Bolsonaro sobre o valor simbólico da Presidência da República. Sabe-se que ele não é talhado para exercer a liderança do País, mas nem sequer se esforça para interpretar o papel. Resgatar o simbolismo de dignidade e espírito público que a Presidência encerra, pois, será uma das muitas missões de quem vier a suceder-lhe.
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