Para Jair Bolsonaro, um menino de nove anos pode trabalhar numa fazenda. Também vale ensinar uma criança a imitar uma arma com as mãos e tirar a máscara de proteção de outra. O governo pode recomendar cloroquina até para bebês, mas não tem pressa para oferecer uma vacina que salva vidas.
O esforço de Bolsonaro para dificultar a imunização de crianças é provavelmente o lance mais desprezível de sua campanha contra a saúde pública na pandemia. A Anvisa atestou que a vacina é segura, mas o presidente e seus auxiliares organizaram uma engenharia completa para atrapalhar essa etapa do combate à Covid.
A política do governo para crianças na pandemia só tinha um caminho: expor todas elas ao vírus e empurrar remédios inúteis em caso de contaminação.
A secretária do Ministério da Saúde que ficou conhecida como Capitã Cloroquina dizia que a ideia era alcançar o "efeito rebanho" entre crianças a partir da "evolução natural" da doença. Ela também foi responsável pelo aplicativo que sugeria o uso de medicamentos ineficazes por mulheres grávidas, crianças e bebês.
Agora, Bolsonaro faz de tudo para obter a imunização do menor número possível de crianças. Em seu esforço diário para produzir desconfiança sobre as vacinas, ele quer condicionar a aplicação das doses à assinatura de um termo de responsabilidade e à apresentação de receita médica –uma bela maneira de amedrontar pais e afastar famílias pobres, que têm mais dificuldade para marcar consultas.
O operador de Bolsonaro nessa área veste jaleco. Marcelo Queiroga ignorou avaliações técnicas da Anvisa e do próprio Ministério da Saúde ao sugerir a realização de uma consulta pública sobre o tema. Quer, com isso, transformar o caso numa discussão política, dar palanque para militantes antivacina e agitar a base radical do governo.
Bolsonaro usa as crianças para reciclar falsos questionamentos sobre a vacina. Essa névoa artificial é a única ferramenta que o presidente tem para esconder o longo processo de sabotagem que ele liderou na pandemia.
Bruno Boghossian - Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).
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